Capítulo 05 - Não são zumbis?
Pra ser sincero, não entendi bem aquela situação. E só consegui caminhar próximo a bancada em que estavam minhas roupas, até sentir minha mão ser puxada o suficiente pra me parar.
— O que foi isso? Porque seus olhos estavam brilhando? – Valentina me encarava curiosa, talvez um pouco desconfiada.
Encarei o chão ainda desentendido. Como eu poderia saber a resposta?
— Não vai me dizer nada? Primeiro um deles foca totalmente em você, e agora isso.
Como um estalar de dedos relembrei aquele zumbi estranho, que por sorte ou habilidade, havia desviado do meu tiro.
— Você viu? Também viu o que ele fez?? – Engoli em seco enquanto trazia delicadamente meu braço de volta a mim.
— Você errou o tiro e ele te atacou, não?
— Eu errar um tiro?? De tão perto?? Não. Ele desviou...
— Como assim desviou? Não consegue admitir que cometeu um erro? – Valentina abriu um sorriso irônico de canto.
Foi o suficiente para me levar a uma certa impaciência.
— Você pode ser forte e boa em muitas coisas. Mas não me subestime no que EU sei fazer. Eu nunca erraria um tiro daquela distância. – Encarei ela determinado, visto que me sentia realmente ofendido.
Valentina me encarou por alguns segundos, analisando friamente meus olhos, procurando algum tipo de sarcasmo ou brincadeira neles. E foi evidente que não encontrou nada. Se virando de costas voltou a buscar a toalha que ela usava, e começou a secar os cabelos encarando o chão.
— Bem, se você não errou. Talvez ele tenha escorregado e escapado.
— Não! — Reforcei, caminhando até frente a garota, encarando a mesma nos olhos dessa vez — Aquele... Aquilo... Fodasse, a porra daquele zumbi realmente desviou da bala, de propósito, e ele riu da minha cara. Ele estava sorrindo.
Valentina ficou parada, um pouco perplexa por minha reação. Dando dois passos para trás, ela se pendeu em uma das paredes, enquanto levava a mão ao queixo. Acariciando o mesmo mansamente ela analisava tudo aquilo.
— Tá, digamos que ele desviou de fato. Isso mal começou, quantos assim você encontrou até chegar aqui?
— Nenhum! esse é o problema... Afinal, zumbis não são só muito mongoloides ou algo assim?? Até mesmo os de Guerra Mundial Z não desviam de um tiro...
Aquela hipótese era assustadora. Já que, se ele desviou facilmente de uma bala, o que mais poderia fazer? Pior do que isso. Ele era o único?
— Você acha que existem mais desses por aí?
A pergunta dela foi como um medo tomando forma. Não sabia a resposta, sequer podia imaginar.
— Você acha que consegue matar de frente uma dessas coisas? – Indaguei, enquanto tentava imaginar a cena.
— Se ele é tão rápido ao ponto de desviar de um tiro, então não seria fácil de matar... Mas não acho que seja impossível. Que droga... — Valentina apoiou mais fundo as costas, e cedendo as pernas deslizou pela parede até ficar sentada no chão, encarando o solo.
Eu entendi aquela frustração. Eu já imaginava que eles haviam perdido alguém.
— Não deveríamos contar isso pro seu irmão? Ele vai acreditar em você. – Retirei o óculos rapidamente, visto que meu cabelo deixava cair um pouco de água sobre ele.
— Sinceramente, eu espero que não haja mais dessas coisas por aí. Já estava difícil sobreviver normalmente. Se esses malditos demônios ficarem todos mais fortes, eu não saberei o que fazer... – Valentina suspirou fundo, parecia inconsolável naquele momento.
Me perguntei que palavras poderia usar, ou o que poderia fazer para tentar retirar ou afastar a duvida e medo na cabeça dela.
Fiquei alguns segundos calado, observandos os cabelos negros com tons azulados de Tina, admirando eles caírem sobre os ombros enquanto ela pensava tanto em tudo e nada ao mesmo tempo. É intrigante se imaginar assim, cheio de coisas na mente, mas não conseguir focar em nenhuma em específico. A verdadeira definição de estar confuso.
— Vamos falar com ele. Afinal, é ele quem decide o que irá fazer. Se acreditar em nós, claro. — Dei uma risada baixa, enquanto esticava a mão pra ela se apoiar.
Observei Tina me encarar nos olhos, até um leve sorriso singelo brotar em seu rosto. Ela balançou a cabeça consentindo, estávamos agora decididos do que fazer.
Pegando as toalhas, trocamos de roupa em boxes separados. E agora já trajados nos encontramos na porta para ir em direção a Ayato.
Pela primeira vez estava usando roupas totalmente negras, com uma calça moletom escura e uma camiseta preta com o desenho de um relógio nas costas. Não entendia muito bem a estética brasileira pra criar roupas do tipo. Mas no fim, eu até havia gostado.
Era estranho estar sem usar um moletom recobrindo meu peito, visto que meu corpo parecia extremamente mais leve. Penteei os cabelos brancos para trás, gostava de deixar eles organizados enquanto secavam naturalmente, pra bagunca-los somente após estarem devidamente enxutos.
— Que porcaria de cabelo é esse? — Valentina sorriu com certo deboche, enquanto observava os óculos parecerem maiores em meu rosto por causa do cabelo. Até mesmo minha testa parecia maior.
— Eu não entendi. Qual a graça? — Encarei ela confuso. Normalmente as pessoas riam de mim por estar com o cabelo bagunçado, e sempre me elogiavam quando deixava ele devidamente penteado.
— Como assim? Você virou pastor do nada? Cadê o cabelo todo bagunçado? — Valentina se deu o direito de esticar a mão até minha cabeça, e com os dedos espalhou meus cabelos os puxando pra frente, como se tentasse esconder superficialmente minha testa.
— Mas...
Não consegui reagir em contrapartida, visto que ela acabou ficando extremamente próxima de mim. Analisando meus cabelos com cautela, enquanto seus olhos se tornavam um espelho claro, pra que eu pudesse ver o que ela me fazia.
Valentina usava uma camiseta azul escuro, enquanto uma calça jeans recobria o restante de seu corpo, lhe deixando tão definida que poderia calcular facilmente suas medidas. Dava pra notar o tamanho de suas coxas e que ela realmente possuía um corpo incrivelmente sexy.
Foi quando notou que eu reparava nisso, que ela levou seus dedos até meu queixo e levantou meu rosto até nossos olhos se encontrarem novamente.
— Não autorizei você ficar me secando, Edward. — Sua voz parecia levemente debochada, enquanto ela cerrava os olhos.
Nunca entendi porque cerramos os olhos quando queremos enxergar melhor.
— D-Desculpa... — Sussurrei enquanto ela tirava as mãos de meu cabelo.
— Pronto, agora parece burro de novo. — Ela sorriu de canto, com uma voz irônica ao falar.
Pegando sua lança que estava junto a parede Tina me rodeou e seguiu caminho, sem sequer olhar pra trás.
Passei a língua pela boca, tentando saber se sorria de sua fala ou me deixava levar pela ironia disso. Balancei a cabeça, por algum motivo não consegui ficar chateado com ela. Suspirando fundo me virei, e comecei a segui-la pelo corredor, tentando acompanhar seus passos.
Por algum motivo estávamos competindo, sem sequer citar as regras. Quem andava mais rápido? Quem chegaria primeiro? Podia correr? Senti que não, então só continuei caminhando, sorrindo sem entender porque estava fazendo uma disputa tão infantil tão do nada com ela. Mais ainda, porque ela estava competindo comigo?
Muitas respostas vieram na mente, e me imaginei que ela estava se deixando distrair, pra não pensar tanto naquela situação atual. Aquele cenário apocalíptico só parecia piorar a cada segundo.
—Tina, eu posso te perguntar uma coisa?
Repentinamente ela parou de caminhar rápido, me deixando passar a frente e me encarando levemente curiosa. Estava com um sorriso no rosto, que ia diminuindo gradativamente conforme lembrava que minha voz tinha perguntado em um tom mais sério.
— Sobre o que? — Ela indagou, de forma sensata e bem gentil.
— Eu quer-
Parei de falar repentinamente. Até notar uma silhueta atrás dela. Parado, me encarando fixamente. Havíamos acabado de passar por ali, como alguém estava lá sem termos sequer notado?
Não, ele não estava lá antes. Ou seja, ele havia chegado exatamente agora.
Tina percebeu meu olhar confuso atrás de si, e se virando segurou firme a lança enquanto observava tão assustada quanto eu aquele que logo notou ser um homem misterioso.
Ele pendeu a cabeça pro lado, analisando meu corpo, meus olhos, até enfim parar sobre meus cabelos. Pouco a pouco seus lábios se abriram, em um sorriso extremamente convencido. Porque do nada eu havia me tornado o centro das atenções?
— Então você realmente está vivo... — Ele riu de forma leve. — Quem diria majestade.
Seus olhos eram negros, de uma forma extremamente nova. Era como se o verdadeiro negro sequer tivesse sido descoberto. Não havia brilho, sequer paz naquele olhar. Seus cabelos eram loiros desgrenhados, jogados pra trás e ao mesmo tempo levemente pra cima. Tinha cicatrizes no rosto, pequenas, como se tivesse sido torturado a muito tempo. Seus lábios eram finos, ele tinha uma face jovem e pálida, apesar de levemente suja. Se fosse dizer algo na terra, seria um elfo bem machucado.
Suas roupas eram sujas, como se tivesse saído do meio de uma batalha na floresta. Um sobretudo marrom cobria todo seu corpo, e dava pra ver o cabo de uma espada saindo escondido pelo lado do sobretudo.
Valentina recuou até mim, ficando ao meu lado com a lança apontada em direção ao homem.
— Quem é você!? — A voz de Tina saiu diferente, estridente. Era como uma ordem e não pergunta. E por alguns segundos até pensei ser Ayato.
O homem gargalhou para o nada. Seus dentes eram perfeitamente alinhadas e brancos, o que deixava totalmente diferente de sua silhueta suja e gasta, apesar dele ser jovem em aparência.
— Musskyn... — Ele citou ao vento, porém alto o suficiente, pra fazer meu sangue acelerar ansioso quando ouviu tal palavra.
Minhas mãos se moveram a cintura inconscientemente, e de imediato a arma estava apontada em direção a cabeça daquele homem, que estava a uns 10 metros de distância.
— Como sabe esse nome!? — Não consegui evitar com que meus dedos tremessem um pouco. Respirava fundo, tentando manter a concentração nele. Em sua testa.
Ele ficou em silêncio, analisando a arma. Seu corpo se virou, como se planejasse caminhar até nós.
Dei um tiro de imediato, de aviso. A bala zuniu ao lado do rosto dele, de propósito. Por algum motivo senti que não deveria deixar ele se aproximar.
— Eu perguntei como sabe esse nome filha da puta! A próxima vai no meio da sua testa! — Minha voz saiu trêmula, apesar de força-la a parecer ameaçadora.
— Eu conheço seu pai, garoto. — Ele olhou pro lado, analisando a trajetória da bala que tinha se perdido atrás de si.
— R-Robert!? — Indaguei ansioso, apesar de ter certeza que ele não falava de meu tio.
Após todo o acidente e atentado, para prevenir futuras investigações por um caminho errado, ficou combinado com entre Robert e eu, que ele assumiria publicamente que eu era um filho seu da juventude, ao qual havia encontrado. Era uma forma mais fácil e aceita de explicar minha repentina existência. Afinal, o que mais temos são bilionários fazendo besteiras por aí. Robert também queria quebrar a ideia de ser incrivelmente perfeitinho.
— Eu disse seu pai, Musskyn. — Ele citou novamente meu sobrenome, sem o menor receio de usa-lo.
Meu corpo grunhiu. Eu nunca havia conhecido meu pai, sequer sabia seu nome verdadeiro. Nem mesmo meu tio Robert sabia algo sobre ele. Um homem desconhecido, misterioso e que após ficar algumas semanas secretamente com minha mãe, a convenceu a fugir para longe quando souberam da gravidez.
Apesar disso, minha mãe havia me deixado no orfanato sozinha. E na carta, ela citava explicitamente que meu nome deveria ser registrado com o sobrenome de meu pai. No início foi pra que minha família não me achasse facilmente. Principalmente porque meu tio já nos estava procurando. Mas após alguns anos, parei de usar meu sobrenome, visto que era algo totalmente incomum, e as vezes até símbolo de piadas, por ser filho de um pai absolutamente inexistente.
Ao ser adotado por Robert, passei a usar o sobrenome Porttman, de minha família materna. Era tanto que, às vezes eu até esquecia do sobrenome de meu pai, precisando consultar algumas mensagens antigas que eu havia guardado sobre coisas importantes no celular para lembrar como escreve-lo. Ou talvez, nem tão importantes assim.
— Isso não importa mais. Como chegou aqui!? O que você quer ? — Evitei a ideia de que aquilo fosse algo comum. Um homem que sabia meu sobrenome e acima de tudo, havia aparecido justamente ali repentinamente. Não era algo normal.
— Eu vim busca-lo Musskyn, apenas iss-
Meus olhos viram de relance Valentina agir. Num movimento rápido ela jogou a lança com força máxima na direção daquele homem misterioso. Não consegui evitar a surpresa em ver tal destreza e força num golpe. Só deixando de ficar mais surpreso ainda, porque aquele maldito conseguiu segurar a lança ainda no ar, com apenas uma mão, antes que tocasse o meio de sua cara.
— Eu não lembro de ter atacado você senhorita, deseja morrer aqui? — Ele disse em um tom serio, abandonando o sorriso até a pouco tão aparente.
Minhas mãos também agiram, e sem pensar muito dei um segundo disparo certeiro, que ia em direção a sua cabeça.
Não deu tempo sequer de sorrir, com um movimento simples de cabeça, ele desviou do tiro na hora exata. Era como se ele pudesse ler meus movimentos.
Por que caralhos todos resolveram conseguir desviar de balas assim do nada? Aquilo não fazia o menor sentido.
Apertando a lança entre os dedos o homem partiu a arma de Tina em duas, fazendo os restos caírem ao chão. Sua força era estrondosa e imponente, ao ponto de fazer meus olhos e os de Tina arregalarem.
Sem pensar muito ele caminhou em direção a nós, fixamente. Seus passos estavam ecoando em minha cabeça, eu senti que se movesse um músculo sequer iria morrer de imediato. Uma aura estranha saia do corpo dele, invadindo o meu pouco a pouco. Era como um aviso de perigo apitando em minha mente sem parar.
Até que finalmente ele passou ao meu lado, seguindo caminho atrás de mim e me permitindo respirar finalmente. Meus pulmões estavam acelerados, o ar tinha perdido e ganhado gosto muito rápido.
— Eles te acharam, e estão vindo atrás de você Musskyn. Diferente de mim, eles não são tão bondosos ou pacíficos. É melhor me acompanhar, prometi ao seu pai que te contaria tudo. — Ele disse logo após parar de caminhar, sem sequer se virar em direção a mim.
— Tudo? Tudo o que? — Virei o rosto um tanto surpreso, apesar de ainda sentir minhas mãos e pernas geladas.
— Tudo sobre você, sobre ele, sobre quem está te procurando, e porque seu planeta foi atacado. — Ele voltou a caminhar, indo em direção ao pátio.
— Atacado? Como assim atacado? — Valentina não aguentou o silêncio de só observar. Ela se virou hesitante enquanto buscava coragem para lutar.
Sua voz, seus olhos, ela estava totalmente focada naquilo. Era de total interesse saber o que estava havendo.
— Essas criaturas que estão atacando vocês. Como chamam aqui no seu planeta? — Ele indagou, parecia levemente curioso sobre muitas coisas ao nosso redor.
— Seu planeta? Você é de marte por acaso? — Respondi pela primeira vez com um tom sarcástico, já que ele parecia nunca se incluir no geral.
— São zumbis. Pelo menos parecem com os dos filmes. — Valentina respondeu direta, ela estava muito focada em tudo aquilo.
Por outro lado, eu estava odiando a ideia de entender algo. Tudo estava acontecendo muito rápido, e eu não estava tão adaptado a isso.
— Zumbi... é um nome incomum. Bem, o que estão atacando vocês pode realmente ser categorizado como mortos vivos. Mas, não se trata disso. Eles são o que podemos chamar de uma mutação genética extremamente avançada, uma nova forma de vida consciente como os seres humanos. E passam por estágios de evolução em um período de tempo muito curto. Sendo direto, são parasitas mutantes ja que precisam de um corpo pra obter consciência. Eles roubam o corpo do infectado com o tempo, assumindo sua consciência e variando sua forma ao que eles acharem ideal.
— Isso tem cura?? É possível curar alguém infectado??? — Valentina perguntou em clamor, era como se uma centelha de esperança tivesse surgido em sua mente.
Aquele homem misterioso encarou ela, um pouco astuto eu diria. Em seguida seu olhar veio em direção a mim, analisando a situação como um todo.
— Talvez. Mas se não formos embora agora. Os parasitas ou zumbis, como quiserem chamar, serão o menor dos nossos problemas. Então Musskyn, é melhor se decidir.
O homem grunhiu, demonstrando agora seu tom mais sério. Era um ultimato claro.
— Quem está vindo? E se eu for embora sozinho, o que acontece com quem ficar aqui? — Meus olhos sem perceber foram em direção a Tina, não gostava da ideia de deixa-la para ver o que iria ocorrer.
Tentei me manter firme ao fato de querer que ela tivesse respostas. Mas na verdade, eu estava preocupado. Era difícil admitir isso.
— Meu povo está vindo. Eles querem você. O seu poder especificamente falando. E bem, você viu o que eles fizeram com seu planeta para te encontrar. Imagino que saiba o que ocorrerá com seus companhei-
— Então leve todos nós. E eu irei com você. — Atravessei suas palavras, tentando manter a mesma determinação que ele.
O silêncio se prolongou por um tempo. Até um pequeno zumbido apitar, chamando nossa atenção. O homem estendeu a mão, revelando o outro braço, que estava coberto por ataduras. Um relógio em seu pulso, com um formato misteriosamente incomum. Era quase como apenas uma pulseira de ferro com uma bolinha negra por cima, brilhando em vermelho.
— Vocês tem 5 minutos pra estarem aqui. Ou eu levo apenas você, Musskyn. Estão chegando. — Ele ordenou, me encarando nos olhos como se me conhecesse a muitos anos.
Fiquei um pouco sem reação, até Tina puxar meu braço e começar a correr em direção aos corredores onde encontraríamos Ayato.
Enquanto era puxado, meus olhos ficaram encarando aquele homem de longe, que seguia me vigiando. Quem eu era? Porque buscar logo a mim? Minha cabeça parecia desconexa de tudo ali. Eu não sentia direito meu corpo, e parecia agir no automático enquanto Tina me guiava.
Finalmente chegamos até a sala, com a respiração ofegante. Minha mente estava distante, senti os tapas de Valentina sobre meu peito, pedindo pra começar a falar. Mas simplesmente não existia reação.
Ayato foi o primeiro a notar a reação de Tina. Levando a mão ao cabo da Katana ele se aproximou.
— O que houve? O que ele tem? — O moreno se aproximou, tocando meu ombro com um semblante preocupado.
— Ayato, temos que ir embora daqui. Não temos muito tempo pra explicar agora. — Disse eu enquanto analisava as pessoas atrás dele, comendo vagarosamente meio confusas sobre a mesa.
O trio de amigos do qual eu havia matado um estava me encarando. Pelo olhar irritado e mortal, parecia que estavam normais de novo. Podia sentir sua fúria, seu rancor e seu ódio sobre mim. Desviei o olhar pro canto, relembrando não apenas o rapaz morto, mas também o passado. O rosto de minha mãe não saía da cabeça.
— Como assim ir embora? O que houve? — Ele nos afastou e saiu pela porta, analisando o corredor e observando que estava vazio de ambos os lados.
— Ay. Nem eu sei explicar isso direito. Mas confie em mim, temos que ir embora. Alguém está vindo, e querem matar a gente. — Tina explicou, entrando na sala e pegando sua mochila.
— Matar a gente? Por que? — Um dos rapazes se levantou, Lucas o atrevido e empolgado. Enquanto soltava sua fatia de pão no prato.
— Eu não sei explicar direito. Mas eles querem o Edward, e vão matar todos que for necessário pra pegar ele. — Tina começou a guardar roupas na bolsa, sem se importar direito se eram femininas ou masculinas.
— O que o Edward fez? E o que a gente tem haver com isso? — Ayato me encarou confuso. Dando um passo a frente ele se pós sobre mim, como se ordenasse explicações. — O que você fez?
— Mandem esse lixo embora. Depois do que ele fez com meu namorado... agora está ferrando com a gente aqui. — A mulher antes tão obediente e fria, agora segurava o choro me acusando com raiva.
— Quem está vindo Edward!? — O capitão me indagou mais uma vez, tentando ignorar as falas da mulher atrás de si.
— Eu não sei. Ele só mandou a gente se apressar. Não são daqui, mandaram esses zumbis pra me capturar...
Recitei ainda confuso. Havia centenas, milhares de zumbis lá fora. E todos estavam me procurando? O que eu havia feito de tão mal? Eu roubei algum tipo de cientista maluco quando criança? A ideia de serem de outro planeta não entrava em minha mente. Estava buscando uma razão mais realista, apesar daquilo já ter extrapolado muitas linhas de discussão comum.
— Calma, o que? — Lucas gargalhou sincero, enquanto analisava minhas palavras.
Sim, eu também não achava lógica nisso. Uma horda de zumbis pra me pegar? Por que? Quem? Aquilo seria irônico e engraçado, se eu não fosse o centro da piada.
Tina se aproximou, e puxando Ayato pela cintura, confessou algo em seu ouvido. Não faço a mínima ideia do que, mas em questão de segundos Ayato se virou confiante e confirmativo sobre tudo.
— Vamos embora. Agora. Peguem suas coisas. — Ayato caminhou até próximo a câmera na parede e recitou as mesmas palavras pra Alice, que provavelmente estava nos vigiando novamente.
— O que? Isso é sério? — Lucas mirou nós três, um por um.
— Eu estou indo. Se quiserem ficar, a vontade. Quem quiser me acompanhar, siga-me.
Ayato pegou uma mochila e estendendo a mão encarou a todos na mesa, esperando sua decisão. O trio de idiotas sorriu irônico, enquanto demonstravam que não nos seguiriam. Ou melhor, não ficariam perto de mim.
— Eu vou com vocês! — A moça de cabelos curtos se levantou, pegando a maçã em mãos e caminhando até nós sem carregar mais nada consigo.
— Tem certeza Brenda? Pode ser perigoso. — ayato sorriu de canto meio impressionado.
— Aqui também não parece seguro se os amigos do Ed vierem. E acho que vou estar mais segura com vocês.
Brenda sorriu mordendo a maçã, enquanto de forma cativante me encarava. Dava pra notar sua fixação repentina por mim, apesar de eu não entender o porquê.
— Nós também. Por favor. — Lucas se levantou, vindo com seu irmão gêmeo e duas das quatro crianças.
— Alguém mais? — Ayato encarou o grupo restante.
Os idosos estavam no canto da mesa, abraçados juntos. O olhar sereno do senhor balançou a cabeça negativo, como se dissesse "estamos velhos demais pras suas aventuras, tomem cuidado."
Não foi a despedida mais alegre ou triste que tive. Mas de alguma forma, era uma decisão difícil a ser tomada. Uma batalha de ideais entre aqueles que queriam crer na paz, e os que iriam buscar entender o impossível.
Seguimos no corredor, até nos depararmos com Alice. A garota loira com franja, um olhar simpático e comum, o que me fez ter certa surpresa. Imaginei que assim como eu, ela usaria óculos e teria uma aparência bem Nerd. Pelo contrário, suas roupas eram bem justas, tinha uma face muito bela e fofa, parecia ser extremamente popular ao ponto de eu questionar se ela realmente era inteligente.
—Pra onde vamos Ay? Alice sorriu, enquanto se aproximava de Ayato.
Seus olhos eram verdes, e ela tinha uma rosquinha em mãos, recoberta por um creme rosado que julguei ter o sabor morango.
— Eu não sei ao certo, mas talvez consigamos salvar eles... — Ayato respondeu com serenidade, enquanto voltava a caminhar seguindo Tina.
Eles? Fiquei confuso ouvindo aquela conversa. Porém, não consegui me concentrar nisso.
Minha mente estava viajando. O orfanato, minha mãe, meu pai. Porque meu passado estava voltando todo de uma vez pra me assombrar? Demorei tantos anos pra supera-lo, e finalmente estava seguindo minha vida atrás de algo, mesmo que no automático. Isso me irritava, mas ao mesmo tempo me deixava triste, profundamente triste.
Senti meu corpo ser tocado. Tina estava me empurrando com o ombro, me acordando com um olhar de "vai ficar tudo bem, calma".
Repentinamente eu e ela estávamos próximos. E eu não sabia como exatamente. Talvez a dor um do outro havia se tornado ponto de encontro.
Fiquei aliviado dela não dizer nada. Seu olhar e sua atitude mostrava o necessário para que eu ficasse bem. Eu não queria ouvir nada no fim.
— Tina, quem é aquele homem? — Ayato chamou nossa atenção, apontando para aquele homem misterioso.
— É quem irá nos tirar daqui. E quem vai nos contar tudo. — Tina voltou a si, caminhando mais rápido para chegar a frente.
Finalmente chegamos ao mesmo local. Frente a frente.
— Exatamente 5 minutos Majestade. Pelo visto um nobre que cumpre o combinado. — O homem sorriu, convencido enquanto olhava o relógio. — Já estão muito perto. Espero que não consigam nos perceber.
Um rei? Apesar de me dar certa curiosidade e indagação, a forma irônica como ele dizia me fazia achar que era apenas fruto de piada.
Parando no meio do pátio, ele levantou o braço e estalou os dedos. E de imediato fumaça se fez, enquanto uma porta no ar se abria, e uma plataforma se dirigia ao chão. Era como uma escada rolante para o absoluto nada. Dentro da porta, apenas escuridão e alguns pontos de luz azul.
— O que é isso? — Ayato levou a mão ao cabo da katana, era instintivo.
— Não se preocupem garotos. É só a minha nave. Vamos logo. — Ele sorriu observando a atitude de Ayato.
Logo que o mesmo entrou, nós ficamos parados ali no pátio, se entreolhando, quase votando se isso seria seguro. Não aguentei me colocar nisso e ser o culpado de algo, e dando o primeiro passo caminhei em direção ao passado.
Ayato e Tina foram logo em seguida, acompanhados de Alice e Brenda. Até que não restasse dúvidas de que era o certo e todos deveriam também.
Quando pisei na plataforma, ela brilhou em azul, dando ao meu corpo um arrepio totalmente novo. Engoli em seco e caminhei, nave a dentro enquanto tentava localizar o caminho.
Meu passado iria ser explicado, e talvez eu entendesse melhor porque estava vivo. Mais que isso, porque desgraças sempre me acompanhavam a todo lugar. Se meu passado estava de volta, iria enfrenta-lo adequadamente desta vez, e de uma vez por todas colocar ele onde sempre deveria estar, morto.