Capítulo 04 - Meus olhos

Capa Os Últimos Sobreviventes
Capa Os Últimos Sobreviventes

A cada passo que eu dava, sentia um pouco de tensão vazando do meu corpo. Era como ser um balão, e ir secando durante o caminho. Meus olhos impacientes iam de parede a parede do colégio, sendo guiados por Ayato, e suas costas levemente largas.

Minhas armas estavam novamente comigo, enquanto eu analisava o gatilho e refletia novamente em matar pessoas, mesmo que fossem monstros, ou algo assim.

Finalmente chegamos a entrada, atrás de portas de vidro, a quase 10 metros do portão. Dali o grupo de quinze pessoas, alguns tentando forçar brutamente o portão elétrico a se fechar. Estavam falhando.

Ayato girou habilidosamente a katana apenas com uma mão, e dando um passo para fora forçou a garganta, o suficiente pro grupo o olhar assustado. Haviam 4 crianças, e quase todos os demais adultos, parecia haver três ou quatro famílias ali, e claro, dois jovens claramente gêmeos.

— Vocês, saiam daí. O portão não vai fechar. — Ayato ordenou, com a arma em uma posição bem visível.

— Mas... estão vindo, eles estão vindo... — Um dos irmãos se atreveu a rebater, com uma voz híbrida de raiva e medo.

— Entrem, e esperem. — As mãos do capitão seguraram o cabo da katana, colocando a ponta a frente.

— Você... vai nos matar? — Uma moça de cabelos até a região dos ombros respondeu, com uma voz meio inquieta.

— Eu disse para entrarem, para não me atrapalhar. Não irei mais dizer novamente.

Ayato abordou uma voz séria. E imaginei que durante os jogos, ele deveria ser assim tão altruísta. Por alguns segundos, me deu certa curiosidade de assistir algum esporte além do futebol. Que eu também pouco via, claro.

O grupo estava receoso encarando nosso líder, que usava roupas esportivas e uma arma afiada em sua direção. A hesitação acabou quando o primeiro zumbi apareceu no portão, com um rugido de raiva, brutalidade e certamente pressa. A criatura se virou para uma das crianças no recinto, e prestes a atacar resolvi agir.

O som da bala só chegou a aparecer logo depois do corpo cair ao chão, deslizando pela parte de dentro do portão, com o sangue escorrendo do buraco ao lado do rosto.

Ayato sorriu, olhou de canto para mim enquanto parecia dizer "pelo visto você será muito útil aqui".

Não consegui saber exatamente o que sentir, mas foi bom de alguma forma ser considerado útil, me fez dar um sorriso convencido.

O som dos demais apareceu atrás do portão, e as crianças foram as primeiras a correr para dentro. Passando por mim enquanto analisavam meus cabelos brancos.

O grupo seguiu os pequenos, mesmo hesitantes se era o certo a se fazer. Agora estávamos nos três ali, parados frente o portão. Observando um a um os zumbis entrarem, enquanto nos preparávamos para o iminente combate.

— Edward, não se aproxime. E não mate nenhum que estiver muito próximo de nós. Seja nosso suporte aos que continuarem entrando. — Ayato ordenou, enquanto levando a katana ao lado do corpo, correu em direção ao primeiro.

Tina grunhiu, parecia um pouco incomodada com minha aceitação repentina. A garota correu, e antes de dar ao menos 5 passos arremessou a lança em direção a um dos zumbis, com uma velocidade absurda que me fez curioso perguntar a mim mesmo, o quão forte era aquela garota?

A lança parecia zunir no ar, e só parou quando atingiu em cheio o pescoço de um dos zumbis, o jogando ao chão com brutalidade, e a lança cravando totalmente em sua carne.

Admito ficar meio boquiaberto, e surpreso entender porque Ayato tinha tanta certeza que eu não morreria com nobreza perante ela.

Apertei a arma entre os dedos, levando meu indicador ao gatilho e dando o primeiro disparo em direção a um dos zumbis que entrava, acertando sua coxa, e posteriormente no segundo tiro, sua cabeça logo que parou de se mover. Era mais fácil acertar suas cabeças se estivessem parados, por isso era essencial no primeiro golpe, faze-los ficarem quietos.

Valentina já perante sua primeira vítima, apoiou sem a menor delicadeza a sola da bota sobre o peito do zumbi, retirando a lança de seu pescoço apenas para a enfiar novamente no meio de seu rosto, fazendo um corte em sua cara tão perfeito, que provavelmente nenhuma arma conseguiria.

Ayato por outro lado, parecia tão menos brutal, e bem mais suave em seus golpes. E pela forma de combate, supus que ele tinha uma estratégia parecida com a minha. Analisando seus movimentos, ele deslizava a lâmina da arma sobre o peito do monstro, girando o cabo como se cortasse um vegetal, até finalmente chegar a garganta e rasga-la como papel, fazendo a cabeça do monstro ser descolada parcialmente do pescoço, apenas o suficiente pro monstro perder a consciência. Era uma forma delicada de matar, que certamente deveria doer tanto quanto Tina fazia.

Nenhum dos dois sorria enquanto fazia isso, ou muito menos demonstrava uma expressão além da seriedade e raiva. Era como estivessem lembrando de coisas ruins, e claramente estavam incomodados com o fato de estarem matando pessoas, por mais que não fossem mais tão humanos assim.

Balancei a cabeça quando observei Ayato brevemente me analisar, quase ordenando pra prestar atenção no combate. Levantei a arma, apoiando com a outra mão o cabo da arma. Dei um passo a frente, e comecei a agir. O quarto tiro preciso, na coxa de um dos monstro, o fazendo pender com o choque, e no segundo parado, o suficiente pra acertar a cabeça e faze-lo cair morto ao chão.

Um em particular me mirou, correndo em direção a mim. Dei o tiro, certeiro no meio de seu rosto. Mas para minha surpresa ele apenas afastou a cabeça pro lado, escapando da bala. Meus olhos arregalaram sem entender aquilo, era como se ele tivesse consciência do que eu planejava fazer.

Minha respiração parcialmente descontrolou com o susto, como diabos ele havia feito aquilo? Seu rosto desfigurado e a carne marcada por sangue, enquanto me encarava no fundo da alma. Engoli em seco, e apertando novamente o gatilho dei mais um disparo, fazendo a bala cravar no peito do monstro.

Ele grunhiu, parecia sentir dor. E talvez por medo ou ilusão, vi ele sorrindo para mim, um sorriso convencido. Apoiando forte os pés a criatura correu para cima de mim, estava muito perto.

Meus olhos travaram alguns segundos, que tipo de comportamento era aquele? Por acaso aquele desgraçado era mesmo um zumbi?

Suas mãos se esticaram em direção a mim, ansiosas por agarrar meu pescoço, sim, ele queria pegar meu pescoço, eu tinha certeza.

Dei um último disparo, quase a queima roupa, seria impossível desviar completamente. A bala foi em sua cabeça, abrindo sua testa enquanto ele caia no chão, tremendo com certa dor até finalmente parar totalmente.

— Edward!!!!!

Ayato gritou, fazendo meu olhar correr ao redor até notar que mais um zumbi estava vindo. Eu havia me concentrado demais naquele maldito inimigo convencido.

Meus dedos tentaram agir rápido, mas apesar de tudo eu ainda estava surpreso, senti que não conseguiria me mover.

Antes que eu pudesse sequer me imaginar morrendo, vi o peito dele abrir, e a ponta da lança de Tina aparecer do outro lado. Com brutalidade a lâmina da lança foi para cima, rasgando a carne do zumbi até sair por seu ombro. Enquanto ele caia e recebia o ultimo golpe fatal na cabeça, observei Tina. Seu olhar frio, cheio de fúria e ao mesmo tempo deboche.

Ela me encarou nos olhos, e pude notar que estava irritada por minha desatenção.

— Desculpe...

Falei sem pensar muito sobre, apenas senti de alguma forma que deveria me desculpar. Ela deu levemente de ombros, e virando o corpo voltou ao combate. Fechei os olhos com força, não podia ficar abatido facilmente assim. O que estava acontecendo comigo? Porque eu estava tão desligado aqueles dias? Eu não era assim, eu realmente não era um estorvo.

Respirei fundo, acalmando meus nervos. Segurei a arma firme, e comecei a andar. Se era pra matar aqueles malditos, não podia ficar apenas parado esperando.

E agi assim, a cada passo um tiro com firmeza, disparos certeiros, para imobilizar as criaturas, ao exato momento que Ayato ou Tina os finalizava. Decepando parte de suas cabeças, ou cravando as lâminas no meio de seus rostos.

Ayato sorriu levemente de canto novamente, parecia notar que agora eu estava concentrado, ou talvez enfurecido. Quando olhei ao redor, os corpos estavam caídos ao chão, um a um. Porém eles não paravam de adentrar. Por ser uma passagem pequena, todos não conseguiam entrar de uma vez, e isso me deixava aliviado. Apesar de que ainda sim, estavam entrando.

Até que, o portão zuniu, e começou a ranger como um motor antigo. Ele foi se fechando, esmagando o braço de um que entrava, o último a conseguir tal feito. Alice havia concertado o portão.

— Agora sim... vamos lá, acabar com os últimos! — Ayato pareceu empolgado, enquanto corria novamente em direção aos quatro últimos inimigos.

Troquei o cartucho da arma, pegando um novo cheio de balas junto a cintura. Dei um passo a frente, e disparei contra um deles, acertando seu ombro, e fazendo ele pender para o lado, apenas o suficiente para Tina se aproximar e fazer sua lança adentrar pela boca e sair pelo outro lado da cabeça.

Já estava claro naquele momento, o ponto fraco desses monstros era a cabeça.

Sequer precisei dar mais um disparo, pois ao voltar, Ayato já havia derrubado os outros três. Sequer me lembrei de perguntar como ele havia feito aquilo tão rápido.

Respirei fundo, nós três estávamos de pé. E jogados ao chão mais de 13 corpos dos malditos zumbis.

O capitão balançou a espada, dispersando o sangue que restava sobre ela, e em seguida caminhando em direção a entrada interna do cólegio. Foi quando percebi, ainda havia algo a ser feito.

Tina e eu o seguimos para dentro, até ficar frente a frente com o grupo que nos observava, com um misto de admiração e medo.

— Vocês... caralho... — Um dos irmãos gêmeos sorriu, um pouco aliviado.

— Então, quem são vocês? Pra onde planejam ir?

Ayato foi direto, segurando a katana novamente com apenas uma mão. Isso me surpreendia, porque em seus dedos ela não parecia pesar absolutamente nada. E eu sabia que uma katana não era leve assim. Não estava surpreso pelo fato dele a segurar com uma mão, mas sim de a mover como se fosse apenas um lápis.

— Nós somos vizinhos, ou quase isso. Eu sou Lucas, e esse é meu irmão Matheus. A gente fugiu do nosso prédio, porque estava infestado... E bem, esses são os únicos que sobreviveram...

Os irmãos gêmeos tinham cabelos medianos, que pareciam pequenas molas caindo sobre os lados do rosto. Eram bem cacheadinhos. Olhos negros, com uma altura de 1,74m ou por volta disso. Lucas era sorridente, falava com certa urgência e bravura, enquanto seu irmão era mais quieto, e tentava não nos encarar no olho.

Junto aos irmãos 4 crianças, três meninas e um menino. Que se apresentaram curiosos, indo em direção a Valentina. Estavam admirados com sua lança. A garota ficou imóvel, sem entender muito bem, e apenas estendeu a arma para que as crianças a pudessem tocar.

Ri com o fato, ela parecia desconfortável, mas ao mesmo tempo se esforçando para ser gentil, algo que claramente não estava fazendo comigo. Quando notou meu sorriso, ela me encarou irritada, fazendo eu engolir em seco e voltar a olhar o grupo.

Haviam dois idosos, e pela forma como seguravam as mãos um do outro, pude ter certeza que eram um casal. Junto a eles a moça de cabelos curtos. Seus olhos eram verdes, e pude notar agora mais perto que a ponta de seus cabelos possuíam um leve tom esverdeado. Ela usava roupas curtas, o que deixava bem visível que possuía um corpo bem sexy, ou algo assim. Seu busto era alto, e ela possuía por volta de seus 1,65m. Foi quando encarei mais seu rosto que notei, ela também estava me observando, com muito afinco. Nossos olhos se ligaram e eu senti um arrepio percorrer a coluna, não esperava ser analisado daquela forma. Engoli em seco desviando o olhar, enquanto sentia que claramente, ela continuava me olhando. Era meio assustador.

— Certo, Lucas. Vocês planejam ficar aqui? Ou vão pra outro lugar? — Ayato foi direto, enquanto começa a encaixar a katana em sua bainha.

Ele se aproximou, esticando a mão em direção a Lucas e o cumprimentando com um sorriso simpático, tal como o que fez comigo.

Meu rosto voltou a analisar o grupo, que possuía ainda mais 4 pessoas. Não eram ao todo 15 como pensei. E foi logo que imaginei que os demais haviam morrido no caminho até a entrada. O que me fez entender que por isso os monstros haviam demorado mais. Estavam lanchando.

Eram quatro adultos, duas mulheres e dois homens. Imaginei serem amigos, visto que estavam reunidos em um círculo. Estava prestes a ignorar, até ver uma certa mancha no chão, que logo teve outra gota caindo.

De alguma forma pude ouvir o som daquilo, e eu conhecia aquela coloração. Era sangue. Meu pé se moveu sozinho, e eu caminhei em direção a eles enquanto minha mão ia até a arma na cintura.

— O que estão escondendo? — Fui direto, sem muitos rodeios.

De imediato o grupo me encarou, e um deles se escondeu mais ao fundo, levando o braço para trás das costas. Os que tomaram a frente se olharam, um pouco hesitantes.

— Não é nada... Ele só se arranhou batendo no portão.

Mentira, pura mentira. Eu sabia, eu sentia, eu podia ver.

— Fiquem quietos, e me mostrem. — Ordenei sem pensar direito, não queria perder tempo.

O grupo se abriu, e o rapaz esticou o braço. Fácil demais imaginei. Próximo ao cotovelo, marcas fortes de dente, bem profundas. Sangue escorria levemente, e pude notar que eles estavam tentando amarrar um pedaço de pano sobre o machucado para esconder, mas acabei impedindo isso com meu ato.

— Você está infectado. — Olhei em seu rosto, e pude notar certa raiva e medo em seu olhar.

Seu corpo parecia normal, e não havia veias saltando como imaginava que fosse. Mas seus olhos, ele claramente tremia, só não sabia se era de medo ou frio. Mas, não estava frio, então estava com medo de mim.

O rapaz não estava possuído, e parecia saber bem que seu fim chegaria logo.

— Eu... eu vou melhorar... por favor...

— Sinto muito. — Respondi, sacando a arma.

Dei o disparo, fazendo o som chamar a atenção de todos pra mim.

O homem caiu de joelhos, com um buraco no meio da testa. Até finalmente seu rosto alcançar o chão já morto.

Respirei fundo, não era o que gostaria de fazer. Mas não queria prolongar o problema e muito menos o sofrimento dele.

Os outros três continuaram parados, imóveis analisando o corpo dele no chão. Quando me olharam, pareciam assustados, com medo de meu rosto. Um deles soava frio, totalmente sem jeito perante minha presença.

Diferente do que imaginei, não reclamaram, não agiram contra, e muito menos se ajoelharam pra prantear o morto. Apenas ficaria ali, quietos, imóveis. Me encarando assustados.

De repente senti meu corpo sair do lugar, e logo em seguida o chão me amparar com a pancada. Quando olhei pra cima Ayato estava com a katana frente meu rosto. Seu olhar era forte, irritado, como se estivesse se segurando. Ele encarou meus olhos, e parecia surpresa em ver algo especifico, pude notar por sua reação. Balançando a cabeça ele tentou não focar nisso, voltou a aproximar a katana de meu rosto.

— O que pensa que está fazendo seu merda? — Sua voz parecia mais grave, e eu pude entender que era pela raiva.

— Ele estava infectado. Apenas o dei um fim rápido, e nos livrei de um problema. — Respondi levemente incomodado com minha situação.

— E quem disse que você decide algo aqui? — A arma se aproximou mais de mim, e pude ter certeza que ele estava se controlando pra não me matar.

— Não se trata de decisão. Ele iria ser morto em algum momento. Ou iria nos matar. Eu só resolvi o problema. — Voltei a encara-lo no olho, não gostava daquele tom de ameaça.

— Matar um humano não é resolver o problema.

— Eu já disse que ele estava infectado. O que planejava fazer? Colocar ele numa sala até achar a cura?

— Se você não o tivesse matado, talvez sim. — Ele não hesitou, e parecia ter totalmente certeza do que pensava, por mais ilógico que fosse.

— Vai criar zumbis no seu quintal agora, capitão? — Falei de forma sarcástica, o que notei apenas o irritar mais.

A espada tocou meu rosto, exatamente minha bochecha, e pude sentir que perfurou levemente minha pele.

— Você veio pra cá depois de mim, então eu quem mando aqui. Quando você quiser tomar alguma decisão, eu tenho que permitir. Se não gostar, caia fora.

Meus olhos seguiram o encarando, e ele claramente não estava cedendo em suas falas. Foi então que percebi e lembrei de suas palavras sobre sacrifício. Ter matado aquele rapaz o fez lembrar de algo, e estava agindo de forma pessoal. Não julguei, eu entendia isso.

— Tudo bem, capitão. Irei obedecer caladinho. — Sorri de canto.

— Não gosto dessa sua atitude. Me diga, porque eu deveria manter você aqui, depois do que fez? — Ayato estava furioso, cercado de pensamentos intrusivos sobre como me matar, eu podia sentir o quanto ele se segurava pra não fincar a espada totalmente em mim.

— Se me jogar pra fora, vou morrer com todos os zumbis que estão esperando o almoço. — Dei um leve riso irônico, enquanto me perguntava se ele realmente iria me jogar do lado de fora.

Ficamos alguns segundos em silêncio, nos encarando sem entender muito a situação. Todos ao redor estavam inquietos, nos encarando sem dizer uma palavra também.

Por fim, Ayato respirou fundo e retirou a arma de meu rosto. Se erguendo eretamente ele guardou a mesma e se virando de costas pra mim deu um passo a frente.

— Tina. Fique de olho nele. Temos que nos limpar pra não sermos infectados também. Se ele fizer qualquer coisa suspeita, mate.

Foram palavras firmes, enquanto ele andava próximo ao corpo do rapaz e encarava o mesmo de forma melancólica. Tocando o ombro do trio ao seu redor, foi como se acordassem de um transe. Uma mulher em particular se agachou, chorando alto pelo homem que agora estava morto. Imaginei pela reação que fossem um casal.

Lembranças vieram ouvindo aquele choro, e baixei a cabeça ao chão. Eu entendia aquele choro. Me senti horrível naquele momento.

Tina se aproximou de mim, e tocando meu ombro indicou que a seguisse. Foi o que fiz, sem pensar novamente sobre isso.

Ela me guiou pelo corredores, até chegar ao vestiário. Deixando a lança em um local mais alto, que não fosse visto de primeira, tirou a blusa revelando seu sutiã azul.

— Se limpe logo. Não sabemos quanto tempo isso dura, e muito menos como sermos totalmente infectados.

Foram as primeiras palavras da garota em direção a mim. De alguma forma, não me senti odiado por ela naquele momento. Sua voz era doce, muito mais doce do que a de Alice. Não carregava tanta gentileza, mas possuía uma suavidade que eu nunca havia ouvido antes.

Retirando a calça ela ficou apenas de roupa íntima, e caminhando até o chuveiro ligou o mesmo, entrando debaixo da ducha sem a menor preocupação.

Me perguntei porque ela estava tão tranquila naquele momento. Ela confiava em mim? Ou tinha inteira confiança em si mesma pra saber que se eu tentasse algo, poderia me matar rapidamente?

Eu ainda estava com minhas armas, era estranho.

Retirei o coldre da cintura, e agora sem camisa e apenas com minha calças, fui até uma ducha ao lado. Por algum motivo estava constrangido, e por mais que tentasse não fazer, acabei por observa-la um pouco.

Seu corpo era incrivelmente belo, magro nas proporções certas, com um busto avantajado mas não exagerado. Os gomos de seu tanquinho bem visíveis, e sua cintura fina acabava exatamente na curva dos quadris, com coxas grossas amparadas por pernas musculosas. Seus braços também possuíam músculos visíveis, enquanto ela esfregava os cabelos longos até a cintura com delicadeza. Dava pra notar que praticava muito exercício físico, e mais do que isso, também cuidava muito bem do próprio corpo.

— Eu mandei você se limpar, e não ficar parado babando.

Ela proferiu sem sequer me olhar. Pude sentir as bochechas corando, estava bem envergonhado. No fim, não queria de fato espiar ela.

Me virei de costas para a garota, e logo comecei a fazer o mesmo, pegando um pouco de sabão líquido e começando a lavar o corpo. Era bom tomar um banho após uma manhã tão caótica. Meu corpo parecia viver novamente, por mais que eu sentisse certa angústia ao relembrar da mulher chorando e gritando por seu amor morto, um amor que eu havia dado fim.

"Me diga Annabeth, eu fiz o certo, não fiz? Então porque me sinto tão horrível assim?"

Pensei comigo mesmo, enquanto encarava o chão e observava a água sumir ralo a dentro.

— Não pense demais sobre isso. Independente de ter sido certo ou errado, você realmente resolveu um problema. Ay está irritado, mas irá passar. Decidir matar alguém ainda humano, não é fácil. Você o livrou de ter que decidir isso. Obrigado.

Tina disse antes de desligar o chuveiro, e caminhar em direção a um dos armários ali. Pensei sobre suas palavras, eram de fato aliviadoras. Percebi o quanto ela se importava com o irmão, e também porque havia mudado para comigo.

Quando seus passos se aproximaram de mim, observei ela estender uma toalha. E esticando a mão a peguei enquanto a encarava nos olhos.

Nossos olhos se encontraram, e ela também fez um leve ar de surpresa, enquanto me observava de forma fixa.

— Seus olhos...

Ela iniciou, mas não foi capaz de finalizar. Parecia estar encantada com isso, ao mesmo tempo que assustada também.

— O que tem meus olhos?

Perguntei um pouco curioso. Aquele grupo, Ayato e agora até mesmo Tina.

— Eles... Estão brilhando...

Não entendi bem aquelas palavras. E caminhando até o espelho mais próximo na parede, indaguei curioso meu próprio reflexo. Ao ponto que eu mesmo fiquei surpreso.

Minha íris brilhava, num azul marinho forte. Eram como flashes azuis, iluminados como a lua em sua fase cheia. Como o sinal de um farol no meio da escuridão absoluta da noite. Foi então que percebi que estava sem óculos, e que mesmo assim estava enxergando perfeitamente bem.

Levando a mão ao rosto esfreguei minhas pálpebras, até abrir novamente os olhos e quando voltei a os encarar, estavam normalmente em seu brilho comum. Um azul mais escuro, quase morto, sem o mesmo brilho.

Me virei a Tina, e sua imagem estava um pouco distorcida. Andei novamente até o local onde deixei minhas roupas e apanhei o óculos, os colocando novamente e voltando a enxergar com perfeição.

— O que foi isso...?

Tina indagou confusa, vendo que o brilho havia desaparecido. Agora estávamos nos dois sem entender nada, sem fazer a mínima ideia do que estava acontecendo comigo.