Capítulo 01 - Minha encantadora viagem ao Brasil

Capa OUS
Capa OUS

— 02 de Junho, 2022. 4 anos depois —

Todas as vezes que penso naquela parte da minha vida, sinto que minha memória é aos poucos apagada. Como se minha mente fosse jogando as pastas fora, e selecionando apenas os eventos marcantes, no fundo da gaveta, para que eu lembrasse exatamente naqueles momentos péssimos da vida. Sejam essas lembranças felizes ou tristes, todas se tornam dolorosas quando lembradas. Umas porque não voltam mais, outras porque parecem ainda não ter acabado. Já sentiram isso?

A praça, a neve, até mesmo o chafariz quebrado que as vezes jogava água na rua. Tudo parecia leve, como se fosse apenas um filme ao qual vi no cinema, e não estava inserido nele. Meus cabelos castanhos na época, um escuro que na noite era facilmente confundido com preto.

— Senhor? Senhor?

A voz ecoou em minha mente, enquanto eu me via sozinho num limbo branco, esticando minhas mãos para o horizonte sem entender o porquê.

— Edward, acorde seu idiota.

Meus olhos se abriram de imediato, foi como se sequer tivesse dormido. Meu reflexo no vidro sumiu, conforme eu notava os campos verdes, bem escuros, do outro lado da janela do avião. Pisquei algumas vezes, para inibir a luz que vinha aos olhos do lado de fora, enquanto tentava acordar também a minha consciência. Esfreguei o rosto, colocando o peso do corpo sobre as coxas e me perguntando que horas seriam. Havíamos pousado no Brasil finalmente.

— Se apresse, ainda temos que pegar o carro pro hotel seu idiota.

Aquela voz irritante se fez de novo, com um tom leve de masculinidade e arrogância. Keito Nagaiashi, um burguesinho metido, de cabelos lisos e caídos na frente do rosto, olhos pretos igual o de um peixe morto, cerca de 1,79m de altura, e uma grande capacidade de encher a droga do meu saco.

Keito era filho do braço direito de Robert, o senhor Shin Nagaiashi, diretor geral das empresas da família. E no fim, ele estava destinado a ser meu braço direito, se eu não o matasse antes.

Me levantei da poltrona, dando um bocejo e abrindo os braços pra me espreguiçar um pouco. Até algo parecido com um sino tocou no som do avião, chamando a atenção de todos.

— Senhores passageiros, Aviso de última hora. Por favor, pedimos que voltem aos seus assentos, e aguardem mais instruções. — Disse o capitão do avião, com uma voz meio trêmula.

Por alguns instantes todos dentro do avião tiveram a mesma reação, de olhar para a porta que ia em direção a cabine. Num instante os burburinhos começaram, até um estrondo ser ouvido do lado de fora, e silenciar tudo de forma repentina.

O vermelho e amarelo refletido no vidro das janelas, chamou a atenção de todos, que correndo para o lado direito chegaram até os lados do avião em amontoado. O aeroporto estava em chamas.

Não tive reação, acho que na hora ninguém teve. Todos estavam em silêncio, perplexos do acontecido. As chamas subiam pelo teto, os vidros do edificio explodiam conforme o calor os atingia. E foi num segundo, apenas um segundo, que dezenas de pessoas começaram a aparecer na pista, correndo de forma desesperada em direção aos aviões que haviam no pátio. Em direção ao nosso avião.

— Senhores passageiros, Mensagem de Emergência. Voltem para os seus lugares, apertem os cintos. Iremos decolar de imediato. — A voz do capitão parecia ainda mais trêmula, como se ele soubesse de algo que nos não sabíamos, por pouco tempo.

Enquanto alguns obedeciam as ordens e iam até suas poltronas, os mais ansiosos continuavam junto à janela, e foram os primeiros a notar outras dezenas de pessoas correndo. Essas agora eram diferentes, muito diferentes.

Aquela cor em seus trapos, eu nunca iria esquecer não importava quanto tempo passasse. A segunda multidão, estavam com muito sangue. Mais que isso, alguns estavam brutalmente despedaçados, ao ponto que me fez perguntar, como conseguiam correr e se mover tão feridos? A resposta? Veio ainda mais rápido.

O primeiro, rápido como um jaguar, pulou sobre uma moça, a levando ao chão com tudo. A mão dominante foi a cabeça, segurando a presa, enquanto com a boca afundou os dentes no meio das costas, causando gritos tão fortes que puderam ser ouvidos por todos dentro do avião.

Naquele momento não havia mais um curioso sobre a janela. Os gritos agora eram dentro do avião, no mais puro desespero para que a aeronave alcançasse logo os céus. Meu corpo estava paralisado, não de medo, mas de dúvidas. Afinal o que estava ocorrendo?

— Edward, sente e coloque o cinto agora.

Naomi me puxou pela manga da blusa, me fazendo ir ao assento enquanto me ajeitava junto a poltrona. Enquanto as turbinas ligavam e o avião começava a se movimentar, observei pelas janelas mais e mais ataques, pessoas caindo uma a uma, sendo brutalmente assassinadas, comidas, ou o que diabos estava ocorrendo ali. Aquela sensação tão incomum estava de novo dentro de mim, nao sabia o que expelir como reação.

Alguns tentavam acompanhar o avião, gritando para que parassem. Pediam misericórdia, um assento sequer, ou apenas uma vaga entre as poltronas, para escapar daquele inferno. Não aguentava ver, o desespero, o medo, a esperança morrendo em cada um que era pego e devorado.

Quando dei por mim, juntei as costas ao assento, respirei fundo. Engoli em seco e mirei o escuro dentro do avião, enquanto as pessoas gemiam assustadas. Não importava o que estava ocorrendo, estávamos seguros, estávamos indo pra longe. Foi o que pensei naquele momento.

O avião começou a se mover, seguindo a pista a qual havíamos descido, no intuito de voltar ao céu. No processo alguns aventureiros morreram abaixo da aeronave.

Repentinamente quase um minuto depois senti o avião ir desacelerando, era como se fosse perdendo forças. Olhei ao redor curioso, nas janelas do outro lado procurando o motivo, e quando voltei a mirar a minha o motivo estava muito em cima de nós. O aeroporto possuía duas extensas pistas, de quase cinco quilômetros. Porém elas se cruzavam uma no fim da outra.

Outro avião, que tentava fazer a mesma coisa que nós, vinha com tudo na outra pista. Porém ele estava a frente em trajeto. já não colado ao solo, iniciando seu trajeto ao ar. Mas, ainda estávamos no caminho, e era isso que o piloto queria evitar. Sem sucesso.

Minhas mãos foram ao cinto, me segurando na poltrona quando senti que o impacto ia ocorrer de qualquer jeito. A parte de baixo da traseira do outro avião, bateu com forca na frente da cabine da nossa aeronave, um acidente inesperado que ruiu por todo lado.

O choque fez o nosso avião todo tremer e ser jogado pro lado, destruindo a asa esquerda quase que por completo enquanto ele girava na pista. De repente não existia cabine, não existia piloto, nem copiloto, e muito menos as aeromoças que dariam algum comando. Tudo o que restava a frente era um buraco, onde podíamos ver o lago da cidade, e as terras do outro lado dele.

A pancada destroçou a frente do nosso avião, não dando a menor chance de sobrevivência para os tripulantes que ali estavam. Enquanto isso a outra aeronave subiu um pouco, porém com o impacto, perdeu equilíbrio e caiu no meio do rio.

As pessoas gritavam desesperadas agora, era difícil se mover ou soltar. Com um pouco de força, consegui abri o cinto da minha poltrona, me fazendo cair pro lado esquerdo e bater o lado da cintura contra o braco da poltrona. A pancada me tirou um pouco de fôlego, ao passo que notei Naomi e Keito se esgueirando para a região do buraco no avião.

— Droga, precisamos sair logo daqui.

Com as mãos na cintura, tentando afastar a dor, me aproximei deles para entender o que estavam dizendo.

— Qual o plano? — observei o chão, que estava a cerca de uns 7 a 5 metros de nós. Era uma queda e tanto.

Keito olhou ao redor, enquanto as pessoas iam se aproximando e observando a altura junto conosco, além do outro avião a distância, afundando no rio lentamente.

— Sigam-me. Rápido.

Naomi tomou a frente, segurando a nós junto a camisa e puxando para o fundo do avião, passando entre os passageiros desesperados.

— Qual sua ideia? — Questionei observando o que podia pelas janelas.

De repente Naomi parou, num local afastado o suficiente para podermos conversar sem muito barulho ou desespero. O que ca entre nós era bem difícil.

— Kei, sei que você está pensando em algo. Como saímos daqui??

Naomi perguntou com confiança, enquanto minha cara ia de um desinteressado no assunto, a um: "por que caralhos eu ainda dou trela pra essa mulher?".

Por outro lado, Keito parecia pensativo, enquanto tentava se lembrar de algo especifico. Num instante ele olhou ao redor, como se procura-se algo. Dando uns passos observou uma poltrona e puxou um lençol.

— Você quer fazer uma corda do avião até o chão? — Naomi respondeu meio incrédula, só não mais que eu já que tive a mesma conclusão que ela.

— Não. Isso seria loucura. Mas abaixo do cokpit existe uma escotilha, que dá pra área inferior do avião, onde ficam os sistemas. Nessa área existe outra escotilha que vai ao solo. Podemos descer pra area inferior pela frente, e usar a escotilha que la pra ir pro chão. Prendemos uma corda e descemos.

Keito começou a enrolar o lençol, como se fizesse uma corda. Ia dando nos para manter a mesma naquele estado. Enquanto agilmente Naomi pulou entre outras poltronas procurando mais lençóis para fazer o mesmo. Me senti meio inútil, admito.

Naomi era alta, quase 1,80m de altura. Seus cabelos eram longos, quase na região da cintura, num cacheado negro envolvente que fazia uma perfeita combinação com seus olhos verdes. Apesar de ser incrivelmente linda e de seios fartos, ela claramente era uma garota má, que estampava em sua face "não me olhe demais, ou eu te mato". Por isso, ela combinava perfeitamente com Keito.

Por outro lado, ele era da mesma altura, mas quando ficava ao lado dela parecia ser menor. Era magro, não ao ponto de ser esguio. Tinha cabelos bem típicos orientais, com uma franja pouco charmosa. Era incrivelmente incomum dizer que eles eram um casal, mas ao mesmo tempo quando conversavam, dava pra ver claramente que se mereciam, ambos eram estranhos.

— Vai ajudar ou só ficar olhando? Temos que correr seu pé no saco. — Keito grunhiu, enquanto jogava a cabeça na direção da janela. Lembrando que em alguns minutos, teríamos companhia.

Encarei a janela, vendo a talvez 2 quilômetros nossos futuros adversários. Ainda existiam pessoas correndo na pista, muitas inclusive. Não sabia dizer quais eram aqueles monstros estranhos. Meu corpo se mexeu sozinho, indo entre as poltronas a procura de um lençol ou qualquer coisa semelhante.

Quando todos nós estávamos com algo forte o suficiente, chegamos próximos a beirada onde deveria ficar a cabine.

— Aí seus idiotas, se quiserem sobreviver vão atrás de algo parecido com isso, e depois usem pra sair desse avião.

Keito mostrou sua corda improvisada de lençol em direção aos outros passageiros. Por alguns segundos o silêncio se fez, até eles notarem que teríamos companhia. O desespero foi total, e todos correram de volta ao meio e fim do avião. Alguns brigando por lençóis, outros abrindo malas e jogando roupas ao ar. Até o ponto que a ferente da aeronave ficou vazia.

— Vamos lá. Rápido antes que todos voltem. — Keito se agachou, amarrando a ponta de seu lençol ao solo de ferro, procurando algo próximo a um gancho para prender a "corda".

Quando sentiu firmeza ao amarrar ela em um estilhaço virado pra cima, se segurou e sem esperar um segundo, se jogou em direção ao solo. O susto me fez ir até a ponta, pra ver se ele havia caído, e pude notar que não havia sinal algum do japonês.

Engoli em seco imaginando as possibilidades, até sua cabeça aparecer uns 2 metros abaixo de mim, naquela que seria a parte inferior do avião.

— Andem logo. — Ele grunhiu estendendo a mão.

Naomi foi rápida, pegando a corda improvisada em minhas mãos, e jogando para Kei junto a que ela tinha feito sem pensar duas vezes.

Se pendurando no lençol que Kei havia descido! fez o mesmo ato que ele, e num segundo havia sumido de vista também.

— Esses desgraçados são doidos... — Grunhi meio irritado, apesar de admitir que me faltava essa coragem que eles tinham.

Fechei os olhos, respirei fundo e segurando na ponta da corda, desci lentamente cruzando as pernas com o cabo ao meio delas. Esperava que de alguma forma isso me impedisse de despencar de uma vez.

Lentamente desci, vendo nossos futuros inimigos estarem mais próximos, talvez uns 600 metros. O desespero bateu levemente, me fazendo sentir os dedos escorregarem por perder o foco. Estava prestes a cair até sentir minha gola ser puxada. Naomi me fez ir ao chão do andar inferior do avião, com a delicadeza de um cavalo.

Quando olhei ao redor procurando fôlego, as duas cordas improvisadas já estavam amarradas juntas, enquanto Kei já descia pela segunda escotilha em direção ao solo. Como alguém tão lerdo era tão ágil?

Olhei ao redor, o lugar era meio escuro e sujo, e havia mais canos e fios do que imaginei. Pensei que seria algo mais irado, como sei lá, uma sala secreta com vários computadores. Não, era chato mesmo. Após seguir Naomi, fui o último a descer, sentindo um leve alívio ao tocar os pés finalmente no chão.

Inconscientemente minhas mãos foram até a corda, prestes a puxar elas, até ouvir Keito mandar eu parar.

— Por que? — Indaguei de imediato.

Ele respirou fundo esticando os braços e apontou.

— Imagine que aquelas coisas consigam subir. Os idiotas lá em cima fazem muito barulho, vão chamar atenção. Se você tirar, eles não conseguem subir, ou seja, vão vir só atrás de nós três.

Por alguns segundos aquelas palavras ficaram na minha mente. O que estávamos fazendo? Iríamos realmente agir assim? Algumas lembranças vieram a minha mente, e mais fácil do que imaginei apenas dei o primeiro passo seguindo eles. Não sabia porque, mas era mais fácil só ignorar a situação. Foi o que fiz, ignorei.

Corremos, corremos bastante. Até entrar no meio da mata. Não houve perguntas, não houve palavras. E conforme mais fundo íamos na mata, mais silencioso ficava. O céu voltava a ficar escuro, sem chamas a serem visíveis.

Não sei dizer quanto tempo andamos ou corremos. Não havia nada, além de arvores e escuridão. Até finalmente chegarmos a uma avenida asfaltada, no meio do nada. Com apenas dois sentidos a serem seguidos, que pouco eram convenientes.

Até que ali no meio do nada, a primeira palavra foi dita. Tirando todos aqueles pensamentos intrusivos da minha mente.

— Para onde vamos agora? Estamos num país totalmente desconhecido. — Naomi se agachou, pegando um pouco de fôlego e analisando a estrada que só ia para norte ou sul.

Keito de imediato se sentou na beira da estrada, olhando pro céu e tentando se localizar pelas estrelas. Eu não ficaria surpreso se ele conseguisse.

— Primeiro temos que entender o que está acontecendo. Ir pra qualquer lugar é perigoso. E se houver mais dessas coisas por aí? Não temos nenhum Armamento. — Keito deitou no chão, esticando os braços por alguns minutos.

— Você tem alguma ideia? — Passei os dedos sobre meus headphones, a única coisa que consegui trazer comigo.

O japonês cobriu o rosto com as mãos, parecia já se arrepender do que ia dizer.

— Eu quero voltar no aeroporto. Podemos tentar pegar um carro, comida e quem sabe armas. Tipo... é normal ter seguranças no aeroporto, devem ter armas. Ao menos apreenderam algumas facas, não? Não dizem que os brasileiros são bem extravagantes?

Ele se levantou encarando a nos dois um a um, como se tivéssemos a resposta para sua pergunta idiota.

— Você sabe que é a primeira vez que venho ao Brasil, não é Kei? — Naomi sorriu de canto, enquanto olhava seu namorado, ou o que quer que eles fossem.

— O Edward já veio uma vez. E ele fala português bem melhor do que eu. — Ele insinou, como se jogasse a responsabilidade pra mim.

E deu certo, pois ambos olharam pra mim, me encarando por alguns segundos.

— O que eu falar português tem haver com eu saber se tem facas no aeroporto? Vocês dois também falam português e não sabem. Pera, porque eu tô dando moral para o que vocês dizem? Bando de idiotas. — Esfreguei o rosto enquanto suspirava forte com os lábios.

— Nenhum de vocês foi contra. Então vamos voltar. Acredito que o caminho é por aqui, visto a direção que viemos. Só... — Keito andou novamente até a mata, até pegar um galho do tamanho de um taco de basebol, com a finura de um cabo de vassoura — Precisamos estar meio armados.

Paralisei por alguns segundos, imaginando o quão patético seria ver ele lutado contra alguém usando aquilo como arma.

— Se você sobreviver, eu tenho certeza que eu também sobrevivo. — Falei em voz alta, apesar de jurar que estava apenas pensando.

Apesar de idiota, Naomi e eu fizemos o mesmo, indo até uns cantos atrás de uns galhos que poderiam ao menos servir pra machucar. Já que matar era bem difícil.

Armados, preparados e levemente convencidos que sairíamos vivos resolvemos agir. Caminhando juntos na estrada com uma silhueta que seria digna do Oscar. Os passos pareciam durar anos, e por mais que caminhássemos a escuridão apenas se prorrogava.

Até que finalmente chegamos na entrada do aeroporto. Uma placa enorme com o nome do mesmo "Aeroporto Brigadeiro Lysias Rodrigues". Grande o suficiente para que pudéssemos nos esconder atrás.

— Então, qual o plano? — Naomi foi a primeira a quebrar o silêncio, agarrando seu pedaço de tronco como se fosse uma escopeta.

— Bem, Edward. Voce que já esteve aqui. Se lembra de qual lado ficaria o administrativo? — Keito olhou pelo lado da placa, a entrada para o aeroporto.

Fiquei alguns minutos em silêncio, refazendo na mente a primeira viagem e tentando localizar na mente as informações. Fazia quase um ano desde a última vez. Era uma viagem para analisar o terreno que havíamos comprado. Não parecia tão importante na época que eu iria precisar lembrar de algo tão criterioso.

— Sinceramente eu não sei. Mas no lado direito fica a maioria das lanchonetes. Seria certo dizer que o administrativo fica no segundo andar do lado contrário? — Respondi, com uma opinião baseada em totalmente nada.

Keito sorriu com certa vergonha, enquanto olhava os vidros e analisava onde poderia ser o local que deveríamos chegar.

— Chutando que o local esteja cheio, não podemos rodar o local inteiro. Não sabemos a planta do aeroporto, seria suicídio. Se a gente se perder, a morte é quase certa. — Seu tom era sério. Por alguns segundos notei o motivo de eu conseguir suportar Keito.

Já nos conhecíamos fazia quase 4 anos. Nunca fomos muito amigos, mas por conta do trabalho e estudo passávamos muito tempo juntos. Estávamos destinados a sermos parceiros, então nossos pais eram determinados a nós fazer se dar bem.

— Vamos apostar na sua ideia. Por mais que eu odeio admitir, você tem bem mais sorte que eu. — Keito balançou a cabeça com um sim, enquanto olhava pra Naomi e via ela apenas concordar com um sorriso.

Num instante ambos se aproximaram e se beijaram, com bastante fôlego diria eu. Balancei a cabeça com um não, de forma inconsciente. Eu não sei como, mas mesmo vendo uma cena daquelas todo dia, ainda não havia acostumado.

Sério, eu nunca soube dizer o que Keito e Naomi eram um do outro. Se tratavam de uma forma única, e as vezes era assustador como eles simplesmente concordam totalmente um com o outro, sem a menor dúvida ou receio.

Olhar para eles, era como ver a mesma pessoa em dois corpos. Levando a mão fechada frente a boca, insinuei uma tosse forçada. Notando isso ambos pararam, e sorrindo voltaram sua atenção para a situação que estávamos.

Por alguns segundos ficamos nos encarando, até ter a certeza que estávamos prontos. Passo a passo se aproximando, vagueando silenciosamente entre os carros. Alguns estavam novinhos, outros totalmente quebrados. Já era quase manhã, dava pra ver o dia amanhecendo ao longe.

Ainda existiam fogo em alguns carros, me dando o questionamento; como tudo aquilo ocorreu? Agora me sentindo mais calmo, pensar nisso era meio intrigante. No avião não se sabia muito do solo, até porque odiava estar no alto. Então passei quase que a viagem por completo dormindo, ouvindo música calmamente.

Uma noite? Não, seria impossível. Mas se fosse, significava que era apenas ali? Mas como? Afinal, aquilo eram zumbis? Não tinha visto de perto, não tinha entendido bem. Apenas fugimos. Por medo e por receio do que poderia ocorrer.

No desespero não pensamos bem nas coisas. É difícil se manter focado quando sua vida esta em risco, e eu sabia bem disso. Enquanto caminhamos, não havia nada ali. Era até irônico pensar que existia a pouco uma multidão daqueles monstros.

— Espera. O que estamos enfrentando? — Perguntei a mim mesmo. Mas não sabia que havia sido em voz alta.

No exato momento Keito e Naomi pararam, se olhando enquanto juntavam os neurônios e se faziam a mesma pergunta.

– Eu não tinha pensado nisso. Não eram zumbis? — Keito chutou a resposta, enquanto tentava lembrar do que vira.

— Acho que sim. Estavam atacando as pessoas correndo, não? — Naomi respondeu a pergunta com outra, procurando concordância enquanto olhava para mim e o japonês, um a um.

— Mas, ainda eram pessoas. Quer dizer, só havia sangue e partes do corpo arrancadas neles. Zumbis não são sei lá, cinzas? Fora que, zumbis correm tão rápido daquele jeito? — Levei a mão ao queixo, acariciando o mesmo de forma intuitiva.

— Sério que importa o que eles são? Vamos ter que lutar de qualquer jeito, eu acho... — A certeza foi sumindo, apesar de haver bastante convicção nos olhos do japonês.

— Vamos continuar... não é bom esperar amanhecer... — Naomi disse insinuando a luz solar ir surgindo no céu.

Não teve palavras mais, e apenas seguimos caminho. Ate chegar frente a entrada. Não foi fácil se esconder, até porquê tudo ali era de vidro. Apesar de que, parte dele estava quebrado.

Entramos com calma, e tudo estava uma bagunça. Malas no chão, roupas espalhas, cadeiras quebradas e alguns corpos escalados no chão, ou o que havia restado deles. Braços, pernas, cabelos, até restos de órgãos caídos. Tinha muito sangue e um cheiro forte de ferro. Não era difícil adivinhar por que.

Para nossa surpresa, estava vazio. Não havia pessoas, não havia monstro, era apenas o som do nada. Sequer o vento frio passava das portas. O que dava um tom meio abandonado. Estávamos de certa forma aliviados, apesar de ainda bem alertas.

— Bem, talvez eles só ataquem de noite? Tipo sei lá, vampiros? — Insinou Keito observando o sol se fazendo mais presente.

— Eu espero que sim... — Naomi acelerou o passo, se colocando ao lado de seu amado.

— Só vamos pegar umas armas e dar o fora daqui. — Disse eu, andando mais rápido e me colocando a frente dos dois.

Eu não fazia a mínima de pra onde ir, mas não gostava da ideia de estar atrás daquele casal melequento. Não durou muito, já que por não saber onde ir, Keito voltou a nos guiar.

Mas, ele também não sabia pra onde ir. Por que estava nos guiando? Pelo visto o fato de eu ser minoria fazia com que tivesse apenas que obedecer, quase que inconsciente disso.

— Depois que sairmos daqui, já pensaram em pra onde iremos? — Naomi disse, se aproximando de uma porta no corredor.

Estávamos no segundo andar, indo a região atrás dos balcões, onde tiravamos informações. E onde havia os embarques.

— Alguma ideia Edward? — Keito foi para o outro lado da porta, colocando a cabeça e o ouvido próximo o suficiente, pra ver se havia barulho do outro lado.

— Eu não sei, que tal ir para os hotéis? — Não fiquei parado, e fui até o lado onde Naomi estava, não queria ser pego de surpresa por algo atrás de mim.

Não houve resposta, e me senti idiota por ter respondido. A sala foi aberta lentamente, até ser notado outro corredor mais extenso, cheio de portas dos dois lados.

— Devemos abrir todas? — Questionei meio inseguro.

Ao total eram cerca de dez portas num corredor de talvez 50 metros? Algumas de vidro, insinuando serem de maior importância. Ao final um corredor virando a direita, onde imaginei ser o terceiro andar.

Estava prestes a abrir a primeira, até o som de algo de ferro bater no chão varias vezes, como se despencasse de uma escada. Até seguir rolando e aparecer no fim do corredor. Revelando sua identidade, um extintor de incêndio caído no chão.

Por conta daa pancadasdo o lacre quebrado se soltou, jogando espuma pra fora lentamente. A atenção de nós três foi tomada mais ainda, já que logo depois passos eram ouvidos, no fim daquele longo corredor. Passos fortes, firmes, como se um gigante descesse as escadas.

Engoli em seco, podia sentir uma leve exitação conforme aquele som adentrava minha cabeça.

Naomi agiu, abrindo a porta e sem esperar nos puxou pra dentro, fechando ela e nós deixando escondidos ali, apenas ouvindo aqueles passos enormes se aproximando. O que seria? Humano? Monstro? Zumbi?

A única certeza que podíamos ter, é que nossa luta pela sobrevivência só tinha começado.