Prólogo - Virei um bilionário?
Acho que após adiar tanto esse momento, finalmente decidi dar a cara a tapa. As coisas andam bem tranquilas em casa, minha esposa não costuma ter problemas pra dormir a noite, e voltamos a passear durante os fins de semana com as crianças.
Mas no fim não importa o quanto a gente tente normalizar isso, acho que depois de tanto tempo, se tornou incomum ao nosso sangue. Como se cada célula em nossos corpos, rejeitasse essa paz tão silenciosa; e cheia de receios.
Por conta disso, tomamos a decisão mais importante de nossas vidas. E decidimos nos mudar pra longe daqui.
O que vamos encontrar pelo caminho? Eu não faço a mínima ideia, já que depois de enfrentar tantos monstros, armadilhas, machucados e medos. Fica difícil por no diário algo que possa nos assustar de novo.
Então, decidi que antes de viajarmos iria escrever tudo. Absolutamente cada detalhe que me lembro, até chegar o dia de hoje. Talvez alguns fatos estejam apagando da minha mente, e tenho certo receio de que com a mudança das coisas, tudo pelo que lutamos acabe sendo jogado no vazio.
É um medo aceitável não é? Ter medo do amanhã... Faz tanto tempo que não sinto essa ansiedade, sete anos pra ser exato. Bem, acho que chega de enrolação pra contar a história dos Últimos Sobreviventes.
A primeira coisa que me lembro não é muito conveniente de se contar, mas pra falar a verdade, talvez eu só não queira entregar todo o mistério agora.
Eu sempre fui um grande vira-lata. Que andou de becos em becos roubando não apenas comida. Não me entenda mal, nunca me julguei alguém bom, acho que nem mesmo minha mulher me julga assim, e fico na dúvida se isso é bom ou ruim.
Então após muitos anos sofrendo como um órfão e mendigo moribundo, chegamos ao que eu quero e acho realmente necessário contar agora.
- Sábado, 14 de Abril de 2018.
Quando abri meus olhos de forma bem difícil, já que eles pareciam pesar toneladas, não havia luz forte nos olhos ou sequer uma escuridão. No início fiquei na dúvida se tinha ido pro céu ou pro inferno, e talvez continuasse assim até ouvir uma tosse meio forçada no meu lado direito.
Meu rosto não se moveu quando tentei, então tive certeza que quando senti um leve arrepio de dor na parte baixa de minha nuca, eu certamente estava vivo. E como estava.
- Você é bem mais resistente do que pensei, Edward. - Aquele homem de cabelos loiros e pele jovem, parecia bem recorrente em minha mente. Apesar de eu ter certeza que nunca o havia visto na vida.
Seus passos pareciam ecoar no tempo e espaço. E quando ele finalmente entrou direito no meu campo de visão, pude notar seus olhos verdes, como safiras refinadas.
Minha mente relembrou algo, no momento não tive certeza do que era. Foi quando meu cérebro voltou a ligar, e se conectar a todo meu corpo. Senti meus dedos, minhas coxas, joelhos e a ponta de meus pés. Todos doerem ao mesmo tempo como uma orquestra iniciando a apresentação.
As memórias voltaram, uma a uma. Tudo que havia ocorrido em minha vida até aquele momento; a fome, a tristeza, a raiva, o medo, a paixão, o amor, a alegria, e novamente a tristeza.
Dessa vez eu não consegui reagir, não consegui falar nada, e talvez por tentar pude sentir que minha garganta estava sem forças. Engoli em seco, e voltei do transe de pensamentos quando senti um pano macio, fino como as penas de um ganso tocarem meu rosto.
Aquele homem me olhava com certa ternura, enquanto enxugava minhas lágrima. Antes mesmo que elas pensassem em sair de meus olhos. Achei estranho, eu não o conhecia, mas era incrivelmente familiar observar aqueles olhos brilhantes.
- O que... O que eu roubei... De você...? - Foi doloroso tentar falar, mas entre algumas tosses, eu consegui dizer minhas primeiras palavras a ele.
- Por que acha que me roubou algo Edward? - Ele sorriu sereno, sem mostrar os dentes. Com olhos tão doces que me causariam diabetes.
Me indaguei o que responder, haviam muitos motivos pra pensar isso.
Mas por alguns segundos a sensação de olhar não foi apenas familiar. Na verdade, era como se por trás daqueles olhos gentis, ele estivesse chorando. Claro, enquanto secava minhas lágrimas que insistiam em não parar.
- Você sabe... Meu nome... E está... Cuidando de... Mim... - Talvez achem isso estranho, mas para mim fazia total sentido que eu tivesse roubado algo dele.
Como já disse, nunca fui uma pessoa boa. E eu não roubava só porquê queria comer. Em algum momento deixou de ser importante o bem ou o mal, e talvez eu estivesse me vingando por algo que no fundo, eu não sabia bem o motivo.
Então dependendo do que eu tivesse roubado dele, era de valor ímpar, ao ponto dele não poder me deixar morrer sem devolver.
- Eu me sentiria envergonhado se não soubesse o nome de meu sobrinho. - Ele sorriu, mostrando os dentes brancos, e muito bem alinhados.
Foram as palavras mais impactantes que tive em toda minha vida. Mais ainda do que as declarações de amor de Annabeth.
Meu corpo paralisou alguns segundos, e enquanto eu tentava entender porque estava começando a chorar mais, minha consciência foi se apagando de novo.
Os olhos perderam as forças, começaram a se fechar e entre as lágrimas e borrões percebi porquê aquele homem loiro, branco, alto, com ternos caros e um lenço confortável; me era familiar.
Seus olhos, Eram os mesmos olhos de minha mãe.
- Entendi...
Foi quando apaguei, com muitas respostas de minha vida até então. E com o dobro de dúvidas que eu só poderia imaginar, quando acordasse de novo.
Quando meus olhos abriram novamente, a cama parecia menor do que antes. O quarto tinha um aroma estranho, um perfume caro que eu sequer imaginava poder sentir. No canto do cômodo uma mulher sentada, folheando um livro de muitas páginas e um rosto bem entediado. Julguei que ela não estava gostando da atual tarefa, mas não era ruim o suficiente pra reclamar.
Abri a boca pra respirar um pouco mais forte, queria sentir meus pulmões encherem um pouco, era como se tivesse fuligem dentro e isso atrapalhava quando inspirava.
- Precisa de algo, senhor? - A voz dela ecoou firme pelo quarto, quase que como a onda de uma maré, se formando na praia deserta.
Fiquei em silêncio pensativo, eu deveria falar algo? Eu deveria tentar? Mas, eu nunca estive naquela situação, o que deveria dizer?
Então após alguns longos, e chatos segundos em silêncio, ela notou meu desconforto. Fechando o livro caminhou até meu lado. Estava próxima para eu poder vê-la, mas não o suficiente para poder me aproximar. Mesmo que eu tivesse forças pra isso.
Meus olhos vagaram até a janela, observando que estava de noite. Não havia luz da lua, mas estava claro ao ponto de eu saber que em algum lugar, dava pra ver aquela bola de queijo brilhando.
- Pode... - Parei em silêncio. Pensei que teria mais resistência pra falar, o que me surpreendeu ao notar que, estava incomodando apenas por que fazia tempo que não falava - Pode me levar do lado de fora?
Tentei não parecer um cachorro sarnento. Eu nunca gostei da ideia de pedir favores, mas eu não tinha muitas opções já que ainda não sentia muito bem minhas pernas.
Ela ficou em silêncio, mirando meus cabelos. Não entendi o porquê, mas julguei que era pra não encarar meus olhos.
Estava prestes a desistir quando ela se moveu até os fundos do quarto. Retirando de trás de uma mesa de madeira escura, uma cadeira de rodas totalmente nova. Me perguntei desde quando ela estava ali, e no pior dos casos, eu iria voltar a andar!?
Não entendi bem por que não me preocupei com isso, acho que parte de mim ainda desejava estar morto naquele momento, caminhar ou não nem chegava a fazer parte dos planos.
Pulando a parte terrível e horrorosa dela me colocando na cadeira de rodas, como uma gelatina mole no formato de um corpo humano. E me carregando num silêncio assustador pelos corredores, finalmente chegamos ao lado de fora.
O jardim era grande, tão grande que eu não conseguia ver o fim. Me perguntava onde exatamente eu estava, já que até onde eu era habituado a morar, não havia nada parecido. Queria fazer perguntas, mas não a ela, até por que; não era difícil notar o fato de que, a moça de ternos negros e um curto cabelo loiro, não estava nenhum pouco afim de bater papo comigo.
- Pode me deixar a só um pouco aqui? Só por alguns minutos. - Foi quando ouvi minha voz soando ao ar livre que notei o quanto ela estava rouca, chata e cheia de amargura.
Imaginei que ela iria recusar, ou se aceitasse apenas se distanciasse alguns passos em direção ao jardim, pra me dar a privacidade de alguns metros, talvez uns 5?
Mas não. Ela apenas soltou a cadeira numa área mais limpa, sem nada que eu pudesse me agarrar por perto. Virou de costas e com seus saltos negros ecoando no piso de tijolos, saiu perdida por onde havíamos vindo. Até que a perdesse de vista. Finalmente alguém me tratando como eu estava acostumado.
Por alguns instantes levantei o rosto para o céu, foi estranho porquê parecia estar sem forças e caindo ao chão. Meus olhos não conseguiram controlar, eu não consegui me controlar.
Quando notei meu rosto estava ficando úmido, com um gosto salgado percorrendo meu nariz e pingando sobre meus lábios. Conforme tentei segurar, mais disso cobria minha face. Era como se eu tentasse empurrar para frente uma porta que abria para os lado. Uma porta muito maior e mais forte do que eu. Era um ato totalmente inútil.
Minhas mãos cederam. Abaixei o rosto próximo aos meus joelhos, sentado vergonhosamente numa cadeira de rodas que eu não fazia a mínima ideia de quem era.
Por algum motivo queria esconder meu rosto. Mas de quem? Eu estava sozinho no mundo, novamente sozinho.
Como sussurros de amargura meus lábios tremiam. Meus dentes rangiam, e eu sentia minhas mãos ficarem irritantemente molhadas, logo após cobrir o rosto.
Eu estava com raiva? Estava triste? Estava me culpando? Eu sinceramente não sei. Talvez eu sentisse o peso do mundo nas costas, ou talvez não houvesse nada, e acho que isso me assustava um pouco. Eu odiava chorar.
As lágrimas eram salgadas, eu podia sentir algumas gotas entrando em meus lábios. Enquanto o restante molhava minhas mãos e consequentemente, o lençol azul claro que deveria ser minha roupa, porém parecia mais a capa de um botijão de gás luxuoso.
Aos poucos eu já podia ouvir minha voz enquanto chorava, um rangido de frustração e raiva. E não senti medo disso. Pra falar a verdade queria gritar, queria muito gritar.
Eu já havia gritado ate perder minha voz, inclusive ainda estava sofrendo com as dores de garganta por ter feito isso. Mas agora era diferente, parecia que se eu fizesse, iria conseguir sentir aquela dor absurda abandonar meu peito.
Uma clara vantagem de nunca ter nada, ou não considerar algo como seu, é que você praticamente não sente quando vai embora. Não era seu, então não é como se tivesse perdido, mesmo que estivesse temporariamente em sua posse.
Bem, eu poderia chamar uma pessoa de minha posse? Acho que sim, tenho certeza que ela não iria se irritar. Afinal, eu era dela tanto quanto ela era minha.
Eu não queria lembrar, não queria chorar, mas ao mesmo tempo queria chorar todas as minhas lágrimas planejadas pra toda a vida. Queria poder reviver o momento em que a perdi na mente, na fantasia de ao menos em minha mente poder conseguir salvar ela.
Minha respiração começou a falhar, meu corpo tremia. Meu peito estava apertando enquanto o ar ia embora, e insistia em pesar toneladas ao entrar em meus pulmões.
Não entendi bem mas sorri naquele momento em meio ao choro. Foi quando percebi os sintomas que pude compreender, era uma crise de ansiedade.
Mas pelo que eu estava ansioso? Eu não sabia como essas coisas funcionavam, e por muito tempo zombava moralmente de quem tinha esses problemas.
Afinal, era tolice pra mim não conseguir controlar o que pensa e sente. Era. Viver me provou que fui apenas fruto da minha própria hipocrisia. E que agora não importava o que eu pensasse, eu não conseguiria fazer aquelas lágrimas pararem. Não só com força de vontade.
- Droga... Droga... - Sussurrei entre soluços de choro. A cadeira pareceu derreter entre minhas coxas, e vi o jardim girar um pouco, enquanto meus olhos se fechavam. Eu estava caindo.
Caido e deitado no duro chão frio, feito de lajotas perfeitamente alinhadas. Pude olhar o céu perfeitamente. Era estranhamente confortável estar no chão, deitado no solo gélido como antigamente. Vendo o céu e sentindo minhas forças indo e voltando como um bumerangue em looping.
A parte boa? Agora deitado com o rosto pro céu as lágrimas não caiam mais na minha boca. Pelo contrário, era como regar o chão, apesar de duvidar que um jardim tão bonito precisasse das despreziveis lágrimas de um garoto pobre.
Pela segunda vez na vida eu sentia algo, algo forte e profundo, e não sabia o que era. A primeira claro, foi quando me apaixonei por Annabeth.
Agora eu estava sem a primeira coisa, e não é como se eu tivesse me separado dela. Bem, ela estava morta então acho que sim, eu estava separado dela. Agora por uma distância que eu não sabia contar qual.
Deitado me perguntei do que valia estar vivo agora. Eu só conseguia chorar e repensar tudo que ocorreu até chegar ali, e notar que no final das contas eu era o culpado pela morte dela.
Se eu não a tivesse conhecido, ou se não tivesse persistido em ficarmos juntos. Ou talvez se eu fosse mais forte ao invés de tão arrogante. Tudo era uma grande bola de dúvidas, tristezas e muitos arrependimentos. Se estar vivo era apenas isso, então não queria estar vivo.
Já passei fome nas ruas, já passei frio em vários invernos, e apanhei até não sentir mais meu rosto de tantos socos que levei. Porém em todas essas situações, eu nunca havia cogitado a ideia de morrer mesmo que por um segundo, por mais que muitos fossem gostar que eu tivesse morrido.
É irônico não? Até onde o amor pode levar você, o que ele pode fazer você buscar e corrigir na sua vida. E ao mesmo tempo, o que ele pode te tirar e quebrar no seu ego e ética.
Mas com tudo isso percebi. Eu tinha uma vida de merda, que não seria perdoada ou julgada de forma tão bondosa por Deus. Então se eu morresse agora, provavelmente iria queimar no inferno. Claro, se Deus ou o inferno existisse obviamente.
No fim crer em Deus ou não sequer era importa agora. Ja que o que foi perdido, desta vez não dava pra recuperar.
No fim acho que pensei tanto sobre o sentido de estar vivo ou não, que minha crise de ansiedade não teve paciência de se manter em meu corpo.
As lágrimas pararam, deixando marcas úmidas em meu rosto e uma leve vermelhidão nos olhos por ficar esfregando eles com as mãos. Tossi algumas vezes enquanto tentava achar conforto pra cabeça naquele chão luxuoso.
Já faziam 15 minutos? 20? Eu nunca havia chorado, será que minhas lágrimas haviam secado de fato? Meu peito ainda doía, mas não estava tão pesado quanto antes.
Me pergunto se isso que significa "colocar pra fora o que está sentindo". Pra ser sincero não me sentia melhor, mas é bom não ter um sentimento de impotência apertando o coração como se fosse uma mão cheia de agulhas.
- Quer ajuda pra se levantar? - A voz grave de Robert soou pelo jardim, como se viajasse pelo vento até mim. Fiquei surpreso, mas tentei não esboçar muita reação, apesar de crer que falhei.
- Acho que irei ficar mais um pouco. A vista é ótima. - Respondi de forma sarcástica, não havia nada de belo para se ver no céu. Por que o brilho das estrelas não chegava nem perto do brilho de Annabeth.
- Entendo. - Robert cruzou os braços e caminhou até meu lado.
Sem muitas frescuras se agachou e deitou ao meu lado ainda usando o terno, um terno bem caro pelo que vi. Eu achava estranho aquela atitude repentina, ainda mais por que eu sequer o conhecia direito. Como ele podia estar tão a vontade só por que descobriu que eu era seu sobrinho?
- O que achou do jardim? Ele é bem bonito não acha? - O loiro perguntou quebrando o silêncio, que ia se manter caso não o fizesse.
Olhei para os lados por alguns segundos bem devagar, analisando ele um pouco melhor já que até chegar ali, não tinha dado muita atenção em detalhes ao lugar.
- Tem um cheiro bom, e parece bem cuidado. - Eu queria tentar dizer algo chique, mas não tinha muito o que admirar já que eu não entendia sobre jardins.
Robert não respondeu nada, ficou encarando o céu perdido. Seus olhos verdes brilhavam tanto que era difícil dizer a cor, se eu ja não soubesse.
Ele não sorria. Mas não estava triste, e sim com uma cara monótona, como antes. Por alguns segundos me perguntei o que ele estava imaginando, e se no fim ele tinha algum arrependimento sobre algo.
Não sei por que eu estava me comparando, apenas não consegui evitar.
Foi perdido nesses pensamentos que quando voltei a mim, percebi que ele estava me olhando fixamente nos olhos, como se pudesse ler minha alma através da íris. Constrangido revirei o rosto, voltando a olhar pro céu e evitando a visão periférica da face dele.
- Sabe, eu não sou tão bom com as palavras como sua mãe era. Então tudo que posso fazer é te apoiar, não importa o que queira fazer. - Robert disse com firmeza, apesar de soar meio distante.
Por alguns segundos analisei aquelas palavras, pensativo sobre até onde iria o "te apoiar". Respirei fundo criando coragem, e vencendo o constrangimento encarei a face dele até perceber que foi em vão, pois ele já estava olhando para o céu distante.
- E se eu quisesse matar alguém? - Resolvi não enrolar. Não gostava de ser testado, e muito menos de ter um desconhecido agindo como se fosse próximo a mim. Principalmente, só por que descobriu que tínhamos o mesmo tipo de sangue.
Como eu esperava ele voltou a me olhar, mas de canto desta vez. Pude perceber que ele também me analisava, e entendi que ele não era tão gentil como julguei de início.
- Não vejo problema em ajudar, mas tenho uma condição para isso. - Ele se levantou, parecia não estar acostumado com o chão duro. Sorri com certo deboche de canto, ricos metidos continuavam sendo ricos metidos.
- Eh, imaginei que havia. Pulando a enrolação, qual a condição? - No fundo eu não estava muito seguro disso, porém não era como se eu tivesse muitas opções.
Eu sequer tinha pensado direito sobre matar ou não o pai de Annabeth, mas queria saber até onde Robert iria, e o que ele realmente planejava, agora que havia achado o sobrinho que tanto procurou por anos.
Estava evidente no rosto dele, no fato de estar tão tranquilo. Eu sabia notar aquela expressão de trabalho feito, e entendi rapidamente que ele não me achou por acaso, estava me procurando. Só não consegui imaginar a quanto tempo.
- Depois que você matar quem quer que seja, vai estudar e assumir as empresas da família. - Ele caminhou até um banco de madeira próximo, se sentando calmamente enquanto balançava o terno para não amassa-lo. Como se isso fosse fazer diferença depois de deitar no chão.
Minha cabeça vagueou por cada letra daquela frase, ele era jovem mas não parecia tanto. Por que queria que eu assumisse?
- Você está morrendo por acaso? - Levantei o rosto um pouco, talvez sentindo um leve arrependimento de perguntar diretamente.
- Não. E antes que pergunte, eu também não tenho filhos. Mas não é por isso que quero que assuma os negócios da família. - Ele tinha um olhar sério, direto e pouco amigável quando falava daquele jeito. Era como um general, dando ordem à um simples cadete.
- Isso parece uma proposta muito boa assim. Qual o Truque? - Senti minhas forças voltando, e usando os braços como apoio me levantei o suficiente pra ficar sentado no chão, já que ainda não sentia muito bem minhas pernas.
- Eu posso até contar. Mas antes precisa me dizer quem quer matar. - Robert cruzou novamente os braços, fazendo as mangas do terno apertarem e revelarem o relógio de ouro brilhando no pulso. Mesmo que estivesse de noite.
Meu rosto ficou levemente sério, enquanto eu encarava ele fixamente com certa raiva. Ele havia manipulado toda a conversa pra chegar nesse ponto.
Robert era inteligente, pude notar isso pela forma conduziu a conversa até chegar no ponto onde teria algo para barganhar pelo que queria saber. Mas também tornou óbvio o suficiente até que ponto ele sabia sobre mim.
Provavelmente havia me achado por causa do acidente, o que significava que eu estava nos holofotes em algum lugar, ou no melhor dos casos não havia sido nada noticiado, ele era rico, poderia encobrir tudo sem problemas. Eu precisava de respostas.
- Se eu falar quem quero matar, terei sua ajuda incondicional? - Respondi após quase três minutos em silêncio, analisando sua proposta.
- Claro, terá toda nossa fortuna, bens e meios ao seu dispor. Desde que cumpra com sua parte e assuma os negócios da família logo em seguida. - Ele não parecia ser o tipo de pessoa que estava blefando. Realmente iria me dar o comando das empresas? Mas por que? Isso estava me cheirando muito mal.
- Quero matar o homem que me colocou nessa situação. Um velho desprezível que me tirou a única coisa que já pude chamar de minha. - Deixei parte da minha raiva sair pela boca, enquanto notei Robert sorrir de canto de forma bem leve, quase imperceptível.
- Ser possessivo com algo desta forma... Que ligação isso tinha com o velho que você quer matar?
Encarei os olhos azuis de Robert sem medo, acho que por que naquele momento eu estava irritado, sentindo toda aquela dor em meu peito ir evaporando como fúria.
Respirei fundo, enchendo os pulmões de ar e mesmo assim não senti o alívio que imaginei. Balancei a cabeça um pouco, não queria ser conduzido pela raiva, mas era difícil quando eu pensava em tudo que aconteceu.
- Me diz, você já perdeu algo ao ponto de não sentir mais valor ou gosto na vida? - Perguntei isso mas eu não queria desviar o assunto, apenas queria a resposta de alguém mais velho.
Dizem que os mais velhos sabem mais, pois tem mais experiência. Eu nunca acreditei ou me importei, mas naquele ponto se existisse um pouco de verdade nisso, talvez... talvez me ajudaria a entender melhor o que eu sentia.
- Você é a única lembrança viva que existe da pessoa que eu perdi.
Robert não me encarou, e não pareceu muito firme ao dizer essas palavras. No fundo senti que ainda havia dúvidas em seu coração também. Quando consegui disfarçar o rosto de surpresa com sua resposta, o mirei. Determinado a tentar não me afundar ainda mais.
- O velho... é o pai da minha falecida noiva. - Não tive certeza se a voz saiu de minha boca corretamente. Havia desânimo na minha voz, havia medo e uma tristeza tão grande que talvez não desse pra ser medida.
Robert não respondeu nada, e eu sequer sei se esboçou pois não consegui ver sua face, já que eu não conseguia desviar o olhar turbado do chão.
Eu queria falar, queria falar tudo que eu sentia, tudo que havia acontecido. Eu não sei por que queria fazer isso, ainda mais para um estranho que eu conhecia fazia alguns minutos. Mas, eu deveria falar isso? Digo, era certo eu dizer?
Eu não tinha coragem de fazer por conta própria, não queria envolver emoções nisso, não queria que sentissem pena de mim, ou que me vissem como um coitado. Suportei tudo calado a vida toda, me abri apenas com Annabeth em toda minha vida, e agora queria desesperadamente alguém para poder falar sobre ela, falar o quanto a amava e chorar por sua morte prematura.
Mas ao mesmo tempo eu era covarde para fazer isso por conta própria. Queria que pedissem pra eu falar, que me forçassem a isso para não me sentir um peso, para não sentir que estava sendo ignorado ou desagradável. Me pergunto, como fiquei tão inseguro? Ou será que eu sempre fui e apenas não me deixava notar isso?
- Estou ouvindo Edward, vou ouvir tudo sobre o que aconteceu com você naquele armazém. E até antes disso se quiser me contar.
Meus olhos travaram no chão, abertos enquanto lágrimas novamente tentavam escapar. Respirei fundo engolindo em seco e pensando naquela proposta tão calorosa.
- Eu...
- Não vou te forçar a nada. Mas sei como se sente. Quando perdi sua mãe eu queria poder falar a alguém o quanto me sentia mal, o quanto me culpava e por não agir diferente. Isso corrói, e não tive ninguém para me ouvir, talvez por isso eu ainda seja assim... - Robert sorriu com certa ironia, era a primeira reação honesta dele, enquanto balbuciava o jardim que ele próprio, havia feito para minha mãe.
- Então deixaremos justo. Eu falo sobre minha vida. E você me fala sobre a sua. O que acha? - Propus com um sorriso melancólico, observando ele debaixo enquanto percebia que ele tinha uma aura frágil naquele banco enorme. Agora ele parecia um adolescente como eu, mesmo sendo uns 15 anos mais velho e incrivelmente alto.
Ele me olhou por alguns segundos. Acredito que naquele momento nos dois queríamos sorrir, talvez até chorar juntos. Seguramos.
Afundei minhas costas na roda desconfortavel da cadeira, enquanto tentava localizar um ponto para começar a falar minha triste, melancólica e muito empolgante história de vida. Até que um ponto veio a minha mente, e era o melhor início de uma boa e sofrida história de vida. Ao menos para fazer meu tio entender.
- Bem, não acho que eu tenha muito a perder de toda forma...