Capítulo 8

capa Fios
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- Está tão forte. - Murmuro enquanto vejo pela janela a chuva cair.

Confesso que fui pego de surpresa, mas talvez seja algo bom. Me pergunto que atividade pode ser feita num clima assim. Talvez eu devesse voltar a dormir.

Olho em direção a pequena plantação no meu quintal. O cercado que fiz resiste bem ao vento forte.

Não consigo ver mais nada além disso. Está um breu.

Encaro o quintal a minha frente ao mesmo tempo que surge um clarão vindo dos céus, seguido de um som muito alto.

Estava prestes a voltar para a cama, mas decido olhar novamente para fora e algo chama minha atenção assim que outro relâmpago ilumina as nuvens. Não sei se meus olhos estão me pregando uma peça, mas consigo ver uma silhueta em meio a chuva forte.

Forço a vista. Mais um clarão. Não tenho dúvidas, há alguém ali.

As fazendas não são fechadas, de modo que qualquer um pode entrar no terreno, porém o bom senso impede isso, mas sempre tem um maluco.

No entanto, essa pessoa está ali parada, talvez olhando para além do terreno.

A chuva fica ainda mais forte. Preocupado com oque pode acontecer, resolvo sair.

O aroma de terra molhada invade meu nariz. A ventania bagunça meus cabelos e rapidamente meus óculos ficam embaçados, me deixando quase sem visão nenhuma ali.

Corro o mais rápido que posso e paro atrás da pessoa.

Seus cabelos pretos são curtos, mas ainda balançam com o vento frio.

- Ei, o que está fazendo aí? - Grito, dando a volta para olhar seu rosto.

É uma garota.

Não sei se essa pessoa não está me ouvindo ou finge não ouvir.

De qualquer forma agarro o seu braço, oque parece fazê-la sair de algum tipo de transe.

Ela me olha por alguns segundos e novamente encara o vazio além do horizonte.

Rapidamente a levo para casa e a coloco sentada em minha cama. Agora, o que eu deveria fazer com ela?

Sento em uma cadeira esperando algo acontecer.

Longos minutos se passam e ela finalmente volta a si.

- Você está bem? - Pergunto.

Ela se remexe na cama e me encara.

- Preciso ir. - Diz se levantando.

- Ei, espera, está chovendo muito lá fora, fique aqui por enquanto. - Pego em seu braço.

Ela para de caminhar e vira o rosto lentamente em direção a janela.

- Certo. - Diz se sentando na cama novamente.

Que obediente.

- Então, como você se chama? - Pergunto para quebrar o silêncio.

- Sara.

- Eu sou David, muito prazer. - Digo com um sorriso.

- David? Entendi. - Sua voz é calma.

Ela me encara com seus olhos pretos, mas de alguma forma parece que seus pensamentos estão em outro lugar.

- Ah sim, me desculpe a falta de educação. - Levanto e vou em direção ao quarto.

Volto com uma toalha e entrego para ela.

- Você deve estar com frio, vou colocar um pouco mais de lenha na lareira.

O fogo arde e brilha intensamente enquanto ela seca os cabelos.

- Aqui, beba isso. - Entrego um copo de café para ela.

Sara encara o copo com aquele líquido preto e fumegante.

- Tão doce... - Sussurra antes de beber.

Sempre foi difícil encontrar alguém que gostasse do café tão doce quanto eu gosto.

- Oh, me desculpe se estiver doce demais. - Coço a testa.

Ela balança a cabeça.

- Está bom.

Não sei por quanto tempo estamos em silêncio, mas isso está se tornando um incômodo.

- Então, você mora na cidade?

- Sim, ao lado da biblioteca. É uma casa cinza igual essa sua. - Responde bebericando o café.

Não cheguei a ver essa biblioteca quando fui a cidade. Mas o mais importante, o que ela quer dizer com casa cinza igual a minha? As paredes externas são vermelhas, enquanto as internas são marrons. Por hora vou ignorar isso.

- Entendo. Você quer que eu a leve para lá? A chuva já está diminuindo. - Olho rapidamente pela janela.

Não quero que pensem algo de errado ao verem ela aqui em casa, mal nos conhecemos.

Sara balança a cabeça, então deduzo que tenha concordado.

Levanto e pego um guarda-chuva. É um pouco pequeno, mas vai ter que servir.

- Vamos? - Chamo parado na porta.

Ela coloca o copo em cima da escrivaninha e para ao meu lado.

Caminhar pela estrada de terra se mostra um desafio por causa das poças de lama e buracos inundados.

Sara entrelaça nossos braços. Penso em protestar, mas desisto.

A cidade é realmente muito diferente quando não se tem pessoas andando por aí. Posso dizer que é uma cidade morta? Espero não soar ofensivo.

Não sei ao certo onde fica a tal biblioteca, mas vez ou outra olho para Sara que parece descrever o caminho sem dizer nada.

Estou um pouco curioso sobre oque se passa em sua cabeça, mas não é como se eu fosse perguntar isso.

- É aqui. - Para bruscamente.

De fato a biblioteca está ali, com suas paredes esverdeadas. Ao lado há uma casa, de cor vermelha. Afinal, por que ela disse que sua cor é cinza? Talvez ela só não consiga enxergar bem as cores.

Agora que paro para pensar, minha fazenda fica um tanto longe daqui, ela foi andando até lá? Na chuva?

- Bom, até mais então Sara. - Digo sorrindo.

Eu esperava algum tipo de despedida, mas ela apenas fecha a porta em minha cara.

A noite decido passar no bar onde Penélope trabalha. Infelizmente ela está de folga hoje. Pelo menos encontro Willian por lá.

- David, senta ai, vamos beber algo. Mocinha, traz uma porção de batata pra gente. - Grita para a garçonete.

Eu apenas aponto para o copo de cerveja de Willian e ela balança a cabeça concordando.

- Então, como vão as coisas? - Pergunta.

- Ah, vai tudo bem. Ainda estou me acostumando com essa vida nova.

- Fica tranquilo, quando você se der conta, estará fazendo tudo no automático. - Diz bebendo de sua cerveja.

Talvez isso me incomode um pouco, mas acho que varia de acordo com a situação.

Assim que as batatas e a cerveja chegam, coloco uma nota no balcão.

- Fique com o troco. - Dou um sorriso.

- Veja, nosso projeto está quase pronto, só preciso ver uma papelada com o prefeito. - Diz empolgado.

- Acha que isso vai dar certo? - Pergunto.

Não quero bancar o pessimista, mas fui pego de surpresa com essa ideia dele.

- Sendo bem sincero? Não sei. Na verdade muita coisa irá acontecer assim que abrirmos esse negócio. Cabe a nós decidirmos como lidar com isso.

- Você fala do Dinkley? Vocês não se dão bem, né?

Willian balança a cabeça.

- Nunca nos demos bem, ainda mais depois do que ele fez.

- O que quer dizer com isso? - Pergunto o encarando.

- Melhor não saber, David. - Seu semblante é o mesmo daquele dia quando limpamos a mercearia.

Acho que essa informação, ainda que implícita, me deixou um pouco desnorteado.

- Não só ele, mas o prefeito é outro com que não quero me envolver.

- O prefeito? Mas ele parece ser uma pessoa tão gentil.

Willian dá uma risada rouca.

- Inclusive, eu vi você andando com a neta dele durante a noite. Sugiro que evite esse tipo de coisa, quem sabe do que aquele velho é capaz.

Ele boceja.

- Mas você não ouviu isso de mim. - Diz se levantando.

- Já está indo?

- Sim, amanhã tenho que levar uma entrega de café na cidade. Se cuida amigo.

Acabei pedindo outra caneca de cerveja, como se isso fosse ajudar a digerir tudo que ouvi essa noite.